Num gesto coordenado e de impacto político, os governos da Irlanda, Noruega e Espanha anunciaram nesta manhã o reconhecimento unilateral de independência e soberania do Estado palestino.
A medida coloca ainda mais pressão sobre o governo de Benjamin Netanyahu — no início da semana, a procuradoria do Tribunal Penal Internacional divulgou o pedido para que os juízes considerem uma ordem internacional de prisão contra o primeiro-ministro de Israel, por crimes de guerra e contra a humanidade em Gaza.
No G7, nenhum governo reconhece a Palestina. Mas a esperança de Madri, Dublin e Oslo é que o gesto seja seguido por outros países europeus e que coloque pressão ao aliado americano a rever sua posição. No Velho Continente, apenas nove países adotam tal postura.
Em 2014, a Suécia havia sido o único país europeu na história a reconhecer a Palestina, enquanto já era parte da UE. Os demais, principalmente no Leste Europeu, tinham dado o status para os palestinos ainda nos anos da Guerra Fria e como parte do bloco soviético.
Ainda que a decisão não mude a realidade da guerra em Gaza, a lógica do anúncio é a de relançar a ideia de que a paz no Oriente Médio apenas poderá ocorrer com o estabelecimento de uma solução para a existência de dois Estados. Se o projeto por anos era a única saída para a crise, críticos alertam que Israel fez de tudo para inviabilizar a existência de um Estado palestino nos últimos meses.
O reconhecimento também significa que, a partir de agora, esses países consideram as fronteiras de 1967 e que qualquer violação a isso significa que Israel é a potência ocupante.
Jonas Gahr Store, primeiro-ministro da Noruega, foi o primeiro a fazer o anúncio e explicou que o reconhecimento tem como meta atingir a paz na região. Segundo ele, a solução de dois Estados é de "interesse de Israel" também. No caso de Oslo, o reconhecimento começa a valer a partir do dia 28 de maio.
Instantes depois, Pedro Sanchez, presidente do governo espanhol, também anunciou nesta quarta-feira o reconhecimento palestino e indicou que, em conversas com outros líderes europeus, a informação que recebeu é que outros países também farão anúncios no mesmo sentido nas próximas semanas e dias.
"Pedimos um cessar-fogo. Mas não é suficiente. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu se faz de surdo e continua castigando a população palestina", disse, diante do Parlamento espanhol. "O que está claro é que Netanyahu não tem um projeto de paz. Lutar contra o Hamas é legítimo. Mas sua operação coloca a solução de dois Estados em sério perigo. O que faz apenas amplia o ódio", criticou.
Sanchez anunciou, portanto, que vai aprovar o reconhecimento da Palestina também no dia 28 de maio. "Só há uma solução: a criação de dois Estados", disse, insistindo que isso não significa o reconhecimento ou apoio ao Hamas. "Tomamos essa decisão por paz, por Justiça e por coerência. Não é uma decisão contra ninguém. Hamas não quer esse reconhecimento", explicou.
"A comunidade internacional tem uma dívida histórica com o povo palestino", insistiu, lembrando de como as resoluções da ONU contra Israel foram ignoradas.
Aliada histórica dos EUA, a Irlanda também adotou a mesma decisão. O primeiro-ministro Simon Harris anunciou que seu país reconhecerá o Estado palestino e lembrou como a própria história irlandesa foi marcada pela necessidade de um reconhecimento internacional de sua soberania e independência.
"A paz permanente só pode ser garantida com base na vontade livre de um povo livre", disse. Para Harris, "os palestinos em Gaza estão suportando os mais terríveis sofrimentos, dificuldades e fome". "Uma catástrofe humanitária, inimaginável para a maioria e inaceitável para todos, está se desenrolando em tempo real", disse.
Israel convoca embaixadores para "consultas urgentes"
Não por acaso, a iniciativa dos europeus está sendo duramente atacada por Israel, que alega que os governos do Velho Continente estarão dando força ao Hamas ao agir desta forma. Imediatamente após o anúncio, o governo de Benjamin Netanyahu anunciou que está convocando de volta para Tel Aviv seus representantes na Irlanda e Noruega."Estou enviando uma mensagem clara à Irlanda e à Noruega: Israel não recuará contra aqueles que minam sua soberania e colocam em risco sua segurança", disse o ministro das Relações Exteriores, Israel Katz.
"Israel não vai aceitar isso em silêncio - haverá outras consequências graves. Se a Espanha concretizar sua intenção de reconhecer um Estado palestino, uma medida semelhante será tomada contra ela", alertou.
"A decisão de hoje envia uma mensagem aos palestinos e ao mundo: o terrorismo compensa", afirmou o chanceler.
"Depois que a organização terrorista Hamas realizou o maior massacre de judeus desde o Holocausto, depois de cometer crimes sexuais hediondos testemunhados pelo mundo, esses países decidiram recompensar o Hamas e o Irã reconhecendo um Estado palestino", disse.
"Essa medida distorcida desses países é uma injustiça com a memória das vítimas do dia 7/10, um golpe nos esforços para devolver os 128 reféns e um estímulo aos jihadistas do Hamas e do Irã, o que prejudica a chance de paz e questiona o direito de Israel à autodefesa", completou.
Palestinos comemoram "nova tendência"
Para as autoridades palestinas, os anúncios coordenados por parte dos europeus é um "momento histórico" e mostra uma "nova tendência" entre as potências ocidentais.
Desde 1988, 144 países dos 193 membros da ONU já reconheceram o Estado palestino, entre eles o Brasil.
Com o patrocínio e voto do Itamaraty, a Assembleia Geral da ONU aprovou no início do mês uma resolução que pede o reconhecimento da Palestina como um Estado soberano, defende a entrada do país nas Nações Unidas e amplia os direitos dos palestinos nos trabalhos do organismo internacional.
Votaram contra o projeto apenas 9 países: EUA, Israel, Argentina, Hungria, Nauru, Palau, Micronésia, República Tcheca e Papua-Nova Guiné. Outros 25 países optaram pela abstenção, entre eles Alemanha, Paraguai, Suíça, Itália e Reino Unido.
O ato, porém, ainda não garante a adesão, já que ela precisa passar pelo Conselho de Segurança, onde o governo dos EUA já vetou a proposta no mês passado.
Em abril, Joe Biden foi o único a vetar a resolução para autorizar a Palestina a ser membro pleno da ONU. O governo americano alega que a adesão palestina e seu status como país devem ser resultado de uma negociação com Israel, e não um ato por parte da comunidade internacional.
Com o veto dos EUA, o Conselho de Segurança não aprovou a adesão palestina. Pelas regras do órgão, basta que um dos cinco membros permanentes do conselho vete uma proposta para que o projeto seja engavetado.
Para Robert Wood, embaixador dos EUA, "medidas unilaterais dos EUA não vão ajudar" no processo de criação do Estado palestino. "Esta resolução não resolve", insistiu.
Israelense compara palestinos aos nazistas e destrói Carta da ONU
Já o embaixador de Israel, Guilad Erdan, afirmou que a aprovação da ONU era "o dia da infâmia". Ele acusou os apoiadores da resolução de serem "cegos". "Vocês vão aprovar um Estado terrorista, liderado pelo Hitler de nosso tempo", disse o diplomata aos demais governos. "Vocês estão abrindo a ONU a um grupo terrorista. Isso me faz sentir doente", disse.
"Vocês estão tentando driblar o Conselho da ONU", disse o israelense. Ele terminou seu discurso na ocasião com uma cena que entrará para a história da entidade — usou máquina de picar papéis para destruir a Carta da ONU, diante de todas as delegações. "Esse é o espelho de todos vocês", disse.
Atualizada em
22/05/2024 07h43