Mensagens inéditas obtidas com exclusividade pelo UOL indicam que Sergio Moro, quando ainda era juiz da 13ª Vara Federal em Curitiba, pressionou os procuradores da Operação Lava Jato para que pedissem a extradição de um executivo da Odebrecht considerado peça-chave na investigação e que havia sido preso na Suíça.
Moro, porém, teria concordado em atrasar o pedido para ajudar os investigadores brasileiros e suíços que trocavam informações e documentos por canais não oficiais, o que é irregular. A reportagem está sendo publicada em colaboração com a newsletter A Grande Guerra.
A intromissão do ex-magistrado e hoje senador pelo União Brasil faz parte da troca de mensagens informais de Orlando Martello, um dos procuradores envolvidos na operação, com colegas e autoridades suíças.
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O caso envolvia Fernando Migliaccio, um dos responsáveis pelo departamento de Operações Estruturadas da Odebrecht —a área da companhia responsável pela distribuição de propina. Ele foi detido em Genebra em fevereiro de 2016 e retornou ao Brasil no fim daquele ano para colaborar com a Justiça e fechar um acordo de delação premiada.
A prisão de Migliaccio foi considerada como um ponto chave no destino da Lava Jato ao conseguir identificar pagamentos da Odebrecht para políticos em diferentes países.
De acordo com as conversas, Moro tinha amplo interesse no personagem detido, mas aceitou retardar o pedido de extradição dele.
Você se lembra que eu já solicitei a extradição do Migliaccio? Eu fiz isso por causa do pedido do juiz. O Sergio Moro estava me pressionando a fazer isso. Você acha que o pedido de extradição tem algum efeito em nosso pedido de MLAT [Tratado de Assistência Legal Mútua] para ouvi-lo lá na Suíça? Se sim, talvez possamos suspendê-lo (como o Vladmir lhe disse hoje), mas apenas por um curto períodoOrlando Martello, procurador, em mensagem a autoridades de Berna em 17 de março de 2016
Os procuradores da Lava Jato, por exemplo, souberam de maneira extraoficial da existência de informações na Suíça de que o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da empresa que leva o nome da família, teria ordenado o pagamento de propinas em diferentes lugares do mundo.
Alguns dias antes, em 9 de março de 2016, o procurador suíço Stefan Lenz, que comandava as investigações sobre a Lava Jato no país europeu, escreveu no grupo de membros da operação no Brasil.
"Temos provas (emails apreendidos) de que Marcelo [Odebrecht] está diretamente envolvido e deu ordens a Fernando [Migliaccio] para fazer pagamentos ilícitos."
Não apenas a informação foi passada de maneira informal como a mensagem de Lenz sugere uma combinação para que os suíços pudessem ajudar.
"Vocês devem fazer um [pedido de] Assistência Mútua Legal para interrogá-lo na Suíça e ter acesso a todos os dados que apreendemos", sugeriu. "Discutiremos isso o mais rápido possível", pediu.
Menos de duas horas depois, o procurador Orlando Martello respondeu confirmando que o pedido estava realizado. "Olá Stefan, está pronto. Ele será traduzido hoje com urgência. Eu o envio com antecedência para você", disse.
Isso é apenas parte das revelações que constam de um diálogo mantido por mais de três anos entre os procuradores dos dois países, no aplicativo de celular Telegram. As mensagens fazem parte do material apreendido pela Polícia Federal na operação Spoofing, que investigou o hackeamento das contas de Moro e dos procuradores da Lava Jato.
As conversas aconteceram em inglês, de modo paralelo pelo Telegram, e não foram registradas em documentos oficiais.
Os procuradores suíços e brasileiros trocavam informações quase diariamente para tratar das ações envolvendo os suspeitos de pagamento de propinas da Odebrecht, antecipando documentos, decisões e combinando linhas de atuação, antes mesmo que os canais oficiais fossem usados para a transferência de pedidos de cooperação internacional.
A prática é irregular, já que a transmissão de informações apenas pode ocorrer com base em solicitações formais de um Estado ou do Poder Judiciário e precisa ser feita por canais oficiais. Mas não foi isso que aconteceu.
O que dizem os envolvidos
Procurada pelo UOL, a assessoria de imprensa de Moro informou que ele não comentaria. O procurador suíço Stefan Lenz não respondeu aos questionamentos da reportagem.
Já Orlando Martello disse não reconhecer nem recordar das mensagens. E que a "troca de informações com autoridades estrangeiras é comum" (leia mais abaixo).
Prisão é comemorada por procuradores
No dia 17 de fevereiro de 2016, Lenz foi ao grupo para avisar da prisão de Migliaccio em Genebra.
"Ele tentou retirar seus bens e esvaziar um cofre. Para nós, ele é um dos principais envolvidos nos pagamentos feitos pela Odebrecht por meio das contas mantidas no PKB Privat Bank! Estou realmente ansioso para conhecer esse cara! Manterei vocês atualizados", disse o suíço.
A prisão causou euforia entre os então procuradores brasileiros Roberson Pozzobon e Deltan Dallagnol. Procurado pelo UOL, o ex-procurador e deputado federal cassado Deltan não respondeu os questionamentos da reportagem.
Minutos depois, Lenz de fato avisa que os procuradores brasileiros seriam informados oficialmente da prisão por um adido presente na Embaixada da Suíça em Brasília, identificado apenas como Marco.
"Por meio do Marco, nós o informaremos oficialmente sobre a prisão. Vocês poderão então tomar as medidas necessárias para solicitar a extradição dele para o Brasil. O procedimento provavelmente levará algum tempo e poderemos discutir outras etapas. Como ele é brasileiro, podemos até discutir a transferência de sua investigação para o Brasil, e não apenas transferiríamos os documentos, mas também ele próprio", disse Lenz.
Naqueles minutos que sucederam o anúncio informal, o grupo iniciou um trabalho de troca de informações para combinar de que maneira seria realizado o procedimento de perguntas e como fazer para mantê-lo o maior tempo possível detido.
Mas, nesta mesma mensagem, as trocas de informações já eram explícitas, principalmente sobre sua ligação com a construtora.
Segundo Lenz, "Migliaccio pediu permissão à polícia para ligar para Maurice Ferro ou Monica Odebrecht para que eles arranjassem um advogado suíço. As ligações não foram (esperamos) permitidas (foi a polícia de Genebra que o prendeu em nosso nome)".
Filha de Emílio Odebrecht —patriarca do grupo empresarial—, a advogada Mônica Bahia Odebrecht é casada com Maurício Ferro, ex-vice-presidente jurídico da Odebrecht.
Neste momento, segundo as mensagens, Marco avisa que iria "preparar uma mensagem oficial", mas ela seria enviada através do equivalente ao Departamento de Justiça da Suíça. A movimentação visava promover uma espécie de aquecimento das conversas ilegais.
O fato de que o suspeito pediu para ligar para Monica Odebrecht também foi comemorado pelos procuradores brasileiros, já que confirmaria, segundo eles, a existência de uma relação entre o detido e a cúpula da empreiteira.
Numa mensagem no grupo, um dos integrantes brasileiros identificado apenas como Paulo comemora.