Eduardo Bolsonaro escancara relação abusiva entre o clã e manifestantes
30/11/2022 08:34 em NOTÍCIA

O dicionário Merriam-Webster elegeu o termo "gaslighting" como a palavra do ano em 2022.

A expressão tem origem em uma peça do dramaturgo britânico Patrick Hamilton, de 1938, em que um marido abusivo manipula uma mulher por desconfiar das atividades misteriosas que ele realizava no sótão de casa. Na trama, a mulher, que passa a ser tratada como louca, dizia que as luzes do local estavam se apagando, e o marido dizia que nada acontecia: o problema estava nos olhos de quem suspeitava.

A trama inspirou um filme quase homônimo em 1944 ("Gaslight", aqui traduzido como "À meia-luz").

Segundo o dicionário, "gaslighting" virou uma palavra perfeita para uma era marcada por desinformação, fake news, teorias da conspiração, trolls do Twitter e deepfakes.

No site da Merriam-Webster, a busca pelo termo cresceu 1.740% entre 2021 e 2022. Isso sem que um evento único explicasse o aumento do interesse.

A página define "gaslighting" como "o ato ou prática de enganar alguém grosseiramente, especialmente para vantagem pessoal".

Trata-se, em outras palavras, da "manipulação psicológica de uma pessoa geralmente durante um longo período de tempo, que faz com que a vítima questione a validade de seus próprios pensamentos, percepção da realidade ou memórias e normalmente leva à confusão, perda de confiança e autoestima, incerteza de seu emocional ou estabilidade mental, e uma dependência do perpetrador".

Quem acompanha as manifestações golpistas pelo país certamente desconfia que os soldados mobilizados por Jair Bolsonaro (PL) e sua família passam por uma situação do tipo, com algumas peculiaridades.

Desde o fim das eleições, muita gente deixou sua vida de lado para tomar chuva e passar frio, com base numa manipulação clássica: a ideia de que as eleições no Brasil foram fraudadas e só o Exército pode impedir a posse do presidente eleito (não para a turma) em janeiro de 2023.

Elas foram induzidas nos últimos anos a acreditar que existe um "sistema" em operação no Brasil. Esse sistema é um balaio do qual fazem parte o PT e o Judiciário — que está em campo para prejudicar Bolsonaro e, consequentemente, os brasileiros de bem.

O próprio presidente, em rara aparição após a derrota, afirmou que as manifestações eram "fruto do sentimento de injustiça sobre como se deu o processo eleitoral", deixando entrever que a eleição não aconteceu de forma "limpa", como gosta de dizer.

A "esposa" da história brasileira não tem a visão sabotada pela ausência de luzes, mas pelo excesso: há sobre elas um canhão de luz que projeta nas redes sociais fantasmas de todo tipo.

Em uma manifestação, por exemplo, cartazes diziam que a Copa do Mundo deveria ser ignorada: o jogo que importa era derrotar o comunismo.

Dá para entender a decepção de quem está na rua passando perrengue ao ver um filho do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), se divertindo em um estádio do Qatar.

Seria razão para abandonar o barco? Jamais.

Diferentemente da peça de Hamilton, o "gaslighting" bolsonarista não quer convencer a pessoa abusada de que ela pode descansar porque não tem razão para se preocupar, mas sim do contrário.

Para isso, grupos bolsonaristas tiveram trabalho extra no dia do jogo do Brasil, produzindo novas lorotas sobre o "motivo real" da viagem do filho do presidente, despistando a traição evidente.

Em um grupo bolsonarista do Telegram, já tinha gente dizendo que o 03 estava rodando o mundo para repassar as "notícias" do Brasil a respeito das urnas.

Outros, repetindo o que fazem toda vez que um familiar de Bolsonaro é flagrado em alguma encrenca (como na compra de 51 imóveis com dinheiro vivo), disseram que o presidente era Bolsonaro, não seus filhos, e que qualquer contestação ao plano de ocupar as ruas, a essa altura do campeonato, era intriga de inimigos infiltrados para rachar o movimento.

Ou seja: mal a imagem do filho do presidente no estádio surgiu e já tinha gente de prontidão para dizer que aquilo tudo era uma miragem e que era loucura desconfiar das boas intenções do clã.

Mais ou menos como aquelas seitas que passam dias olhando para o céu à espera de um anunciado fim do mundo, a ordem era esperar mais um pouco, algo entre 72 horas ou 72 anos, para que a revelação da "verdade" viesse à tona.

Por muito menos teve gente vibrando e chorando de verdade com notícias falsas sobre a prisão do presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Alexandre de Moraes, e outras lorotas — difícil não imaginar que o autor de alertas do tipo não gargalhe toda vez que alguém cai na pegadinha com a fé alheia.

O filho 03 do presidente parecia, inclusive, bem contente em sua viagem de férias, em contraste com o ranço que escorre no canto da boca dos seguidores de seu pai.

Quem ainda não perdeu o juízo percebe de longe que alguém nessa história está sendo enganado grosseiramente em benefício de alguém — no caso, um grupo político inteiro, que vende medo e teorias da conspiração no atacado para comprar fidelidade no varejo.

Não é preciso ir ao dicionário para perceber que os manifestantes de porta de quartel estão numa relação abusiva clássica perpetrada pelo clã Bolsonaro. Nesse caso, só não vê quem realmente não quer.

O Posse de Bola traz comentários de Arnaldo Ribeiro, Eduardo Tironi, José Trajano, Casagrande e Milly Lacombe sobre os destaques do dia da Copa do Mundo, confrontos das oitavas de final e mais.

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