O núcleo petista vê parte das ações e controvérsias provocadas por Bolsonaro e seus aliados como uma tática para voltar a atenção ao presidente, e a avaliação no entorno de Lula é que eventuais comentários dele só ajudariam a campanha do adversário. O foco do QG do ex-presidente é insistir na comparação entre a gestão Bolsonaro e o governo Lula (2003-2010).
De acordo com pessoas próximas à campanha petista, as falas de Lula e as peças do PT deverão focar nos problemas do Brasil atualmente, em especial na crise econômica. "A gente tem trabalhado uma agenda que traga os problemas reais para o debate", afirma o ex-governador Wellington Dias (PT-PI), um dos coordenadores da campanha.
Claramente há uma estratégia [por parte de Bolsonaro] de criar fatos, seja com coisa mais graves, para desviar a atenção dos reais problemas do Brasil, e muita gente está nessa onda"Wellington Dias (PT-PI), ex-governador e integrante da campanha de Lula
O ex-presidente não tratou do assunto espontaneamente. Só foi mencionar o caso em entrevista com jornalistas e youtubers na última terça (26), quando chamou Bolsonaro de "estúpido". Em evento para oficialização de apoio do PSB à sua pré-candidatura, mencionou o atual presidente como "capacho do Congresso". Este, porém, não é o tom esperado pela articulação da campanha.
No PT, o papel de comentar — e criticar — as polêmicas do governo deverá seguir com a deputada Gleisi Hoffman (PT-PR), presidente da sigla, que fez postagens em suas redes sociais sobre Silveira, entre outros temas
Economia, inflação e poder de compra
"Se perguntar a qualquer cidadão, o problema grave que bate na porta é a inflação, que perdeu o controle, e, com isso, uma perda na renda. Isso que é grave", afirma Dias.
Esta é a mesma pegada de suas respostas em entrevistas. Tanto Lula quanto o núcleo duro da campanha entendem que a economia será o tema central da eleição, em especial a inflação e o poder de compra das classes B, C e D — para os petistas, esses são os pontos em que o ex-presidente mais pode bater em Bolsonaro, fazendo sempre um comparativo com o governo de Lula.
Foi assim, por exemplo, na entrevista coletiva na terça. Além reafirmar compromissos como a revogação do teto de gastos, o petista abriu o discurso com duras críticas ao atual governo — postura que manteve durante as mais de três horas de entrevista.
"O Brasil está em uma situação econômica muito difícil. Vamos encontrar um Brasil mais quebrado do que em 2003. Mais inflação, mais desemprego, menos massa salarial, menos aumento de salário mínimo, temos muito menos credibilidade interna e externa", disse o ex-presidente, no começo da entrevista.
A gente vai encontrar o povo mais pobre, 19 milhões de pessoas com fome, 16 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar. Vamos ver o preço das coisas muito mais alto do que já vimos em qualquer outro momento. A carne está proibida para uma parcela da população brasileira. Verdura, salada, está tudo meio caro."Lula, ex-presidente e pré-candidato ao Planalto
Mesmo em plena reestruturação da equipe de comunicação, integrantes da campanha dizem que esta deverá ser a linha das declarações do ex-presidente, de apoiadores e das peças publicitárias: contrapor o poder de compra dos brasileiros hoje em relação aos anos do governo petista.
Não à toa, ele tem repetido em discursos e encontros, alterando tom de saudosismo e promessa para o futuro, sobre "o tempo em que todo mundo fazia churrasco com carne no domingo".
Até nos eventos o nome de Bolsonaro tem sido desestimulado, mesmo nos gritos de crítica, em prol das músicas com Lula — estratégia que é adotada também na campanha de Bolsonaro, que evitar citar o nome do petista em seus discursos.
Em encontro de sindicalistas, enquanto aguardava a chegada de Lula, toda vez que a plateia começava o grito de "Fora Bolsonaro", ecoando pelo salão o nome do presidente, ao microfone puxavam a tradicional música "Olê, olê, olá, Lula, Lula".