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Datafolha: Ações 'pró-pobre' de Bolsonaro minam Lula e armam bomba-relógio para 2023
Política
Publicado em 25/03/2022

SÃO PAULO 

As medidas do governo Jair Bolsonaro para a camada mais pobre da população surtiram efeito e o presidente reduziu em oito pontos (de 40 para 32) sua desvantagem em relação Luiz Inácio Lula da Silva no maior grupo de eleitores: os que ganham até dois salários mínimos e que representam 53% do eleitorado na amostra do Datafolha. 

Embora a pesquisa atual não seja diretamente comparável ao levantamento feito em dezembro por conter cenários diferentes (em que foram retirados alguns nomes na disputa e acrescentados outros, todos com pontuações quase irrelevantes), ela sinaliza como o eleitor mais pobre se comporta. 

Entre a pesquisa de dezembro e agora, as intenções de voto em Bolsonaro nesse grupo, crucial para decidir a eleição, oscilaram de 16% para 19%. Na contramão, as em Lula caíram de 56% para 51% —nesse caso, a queda está fora da margem de erro da pesquisa, que, para este segmento, é de três pontos percentuais, para mais ou para menos. 

O movimento nesse estrato enorme de eleitores explica a brusca diminuição da vantagem de Lula sobre Bolsonaro entre as duas pesquisas (de novo, não totalmente comparáveis). 

Nas intenções de votos totais (todos os grupos), a liderança do petista sobre o presidente encurtou nove pontos, de 26 em dezembro para 17 pontos agora. 

 Entre as ações já adotadas pelo governo Bolsonaro ou em curso, o Auxílio Brasil é a mais potente. São quase R$ 90 bilhões distribuídos no ano eleitoral a 18 milhões de pessoas vulneráveis e que estão entre as que ganham até dois salários mínimos (R$ 2.424). 

Elas receberão R$ 400 mensalmente até dois meses após o segundo turno, quando o valor deve cair à metade —uma novidade em se tratando de programa de complementação de renda e que nunca foi adotada no Bolsa Família. 

Ainda na base da pirâmide, o governo anunciou o abatimento de 92% no valor das dívidas do Fies (Fundo de Financiamento Estudantil) para estudantes inscritos no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico). 

A estimativa é que mais de meio milhão de pessoas se beneficiem. Para as demais, haverá outros abatimentos, e as dívidas serão parceladas em até 150 vezes. 

Em outra frente, pelo terceiro ano consecutivo o governo antecipou o 13º dos benefícios do INSS e permitirá saques de até R$ 1.000 no FGTS, medida que pode injetar até R$ 30 bilhões na economia. Há ainda cortes de impostos em milhares de produtos. 

Para Alexandre Rands, economista e presidente da consultoria Datamétrica, do Recife, esse conjunto de medidas tende a continuar favorecendo Bolsonaro principalmente no Nordeste, segundo maior colégio eleitoral do país e onde há maior concentração de eleitores pobres. 

"O impacto é muito grande no interior e nas periferias das grandes cidades. Não surpreenderá se Bolsonaro anunciar durante a campanha que, se eleito, manterá o Auxílio Brasil de R$ 400", diz Rands. 

Embora a maioria dos atuais governadores do Nordeste sejam favoráveis a Lula (em PE, BA, PI, MA, CE e RN), Rands ressalta que políticos nordestinos (deputados, prefeitos e vereadores) têm perfil conservador e governista, no sentido de dependerem de verbas federais. 

"Se houver um estreitamento da diferença entre o presidente e Lula, não descartaria uma avalanche de conversão pró Bolsonaro no Nordeste", afirma. 

Para o diretor da FGV Social, Marcelo Neri, o formato "retrátil" escolhido por Bolsonaro para o Auxílio Brasil seria um "populismo versão 2.0" que promete resultados eleitorais. 

"O governo está jogando tudo o que tem e inovando, no mau sentido. É como se estivesse distribuindo a velha cesta básica do clássico voto de cabresto, para deixar de dar o benefício após a campanha", diz Neri. 

Nesse contexto, a maior crítica ao formato do Auxílio Brasil é que ele desmonta a lógica consolidada de programas sociais focalizados: dar mais a quem tem menos. "Os R$ 400 distribuídos de modo igual acabam funcionado como um maravilhoso outdoor de campanha." 

Para especialistas em contas públicas, no entanto, são os cortes ou isenção de impostos adotados neste ano eleitoral que trazem maior risco para o futuro da economia e o próximo presidente. 

Bolsonaro decretou corte linear de 25% na alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) em fevereiro e nesta semana zerou o imposto de importação do etanol e de seis produtos da cesta básica (café, margarina, queijo, macarrão, açúcar e óleo de soja) até o fim do ano. 

Aqui, novamente, o governo deixou de aplicar o princípio da focalização nos mais pobres, já que os mais ricos também poderão comprar automóveis e queijos pagando menos impostos. Essas e outras medidas em preparação podem ter custo aproximado de R$ 50 bilhões para União, estados e municípios em 2022. 

 

 Daniel Couri, economista da IFI (Instituição Fiscal Independente), ligada ao Senado, lembra que, ao abrir mão de receitas em um ano eleitoral com perspectiva de baixo ou nenhum crescimento econômico, o país semeia um 2023 difícil para o equilíbrio das contas públicas. 

"Muito do dinheiro sendo gasto agora pelo governo federal, assim como nos estados, é resultado da inflação, que faz a arrecadação subir à frente das despesas. Mas isso só funciona se a inflação for sempre crescente", afirma. 

Couri lembra que o governo federal aprovou no Congresso a Lei de Diretrizes Orçamentárias deste ano com um déficit de R$ 170 bilhões, sendo que o Ministério da Economia trabalha com projeção pouco superior a R$ 70 bilhões (a da IFI é de R$ 100 bilhões). 

"Com isso, o governo ficou com margem grande para adotar medidas no ano eleitoral. Como o teto de gastos limita o aumento da despesa, a saída tem sido fazer política fiscal expansionista com redução de receitas [de impostos]", diz. 

Para Silvia Matos, coordenadora do boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da FGV, essas medidas tendem a gerar uma "ressaca" em 2023, com mais pressão sobre as contas públicas e a inflação futura. Pois, quando a tributação voltar, ela será reincorporada aos preços. 

Ela avalia que, com tantas medidas de estímulo, o trabalho do Banco Central de subir a Selic para controlar a inflação equivale a "enxugar gelo". Por conta da escalada na taxa básica, o Brasil deve pagar cerca de R$ 900 bilhões de juros neste ano, o dobro de 2021. 

Mas Matos considera difícil que, num quadro de baixíssimo crescimento e inflação alta como o atual, essas medidas sustentem a renda dos brasileiros —e o súbito aumento da competitividade eleitoral de Bolsonaro. 

"Uma coisa é um cenário de preços em alta com crescimento econômico. Outra, uma economia parada, em que a renda do trabalhador já teve queda muito forte, não reage e é corroída todos os meses pela inflação num ambiente de alto desemprego", afirma. 

 

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