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Crise na Venezuela: ‘Nunca pensei que passaria fome na velhice’ - o drama de viver com aposentadoria de R$ 7
Publicado em 22/11/2020 21:08
NOTÍCIA
  • Em 1980, a velhice era algo muito distante para Norma Mujica.
  • Eu tinha 27 anos, e dançava salsa com meu marido nas discotecas. Gostávamos muito do Oscar de León e da Célia Cruz (cantores latinos). Às vezes, comíamos comida chinesa em um restaurante, e nos fins de semana íamos à praia", lembra ela com nostalgia.
  • Aos 67, seus dias passam de uma forma muito diferente do que ele imaginava. Sua aposentadoria, que começou no valor equivalente a R$ 925 ao mês, agora representa apenas R$ 7 devido à contínua desvalorização do bolívar, a moeda venezuelana.
  • Sua casa, no topo de uma subida íngreme e mal pavimentada, tem um telhado de zinco, paredes de concreto lascadas pela umidade e decoradas com cartazes de Jesus, piso de ladrilhos e móveis com madeira lascada.
  • Uma máquina de lavar velha, um fogão a gás e cortinas gastas preenchem o espaço. 

Norma caminha lentamente, vestida com uma túnica um tanto surrada, arrastando um sapato que imita a marca Crocs, que usa com meias de lã.

  • Ela se senta em uma pequena cadeira de plástico e conta que vive na Freguesia 23 de Janeiro, uma área popular de Caracas, desde que nasceu.Norma guarda o dinheiro da aposentadoria para comprar remédios"Meu pai tocava tímpano (um instrumento de percussão) em uma orquestra, aqui sempre havia muita salsa e merengue", conta."Comprei esta casinha com meu marido e, aos poucos, fomos fazendo melhoras.
  • Quando fiz 40 anos, Deus me ouviu, e eu tive meu único filho, demorei muito para engravidar. Ao meu filho, nunca faltou nada."Seu marido, Rafael Alcalá, trabalhava como auxiliar no departamento de sistemas de um banco, e ela trabalhou em um órgão público, o Instituto de Previdência e Assistência Social do Ministério da Educação.
  • O instituto presta assistência médica a professores que trabalham para o Estado."Eu me formei como técnica de prontuário e fiz de tudo, fui secretária, mensageira. Entrava às 10h e saía às 21h", conta Norma, que começou a trabalhar aos 19 anos.Em 2000, ela estava no emprego quando sofreu um acidente vascular cerebral, uma obstrução ou redução brusca do fluxo sanguíneo em uma artéria do cérebro, o que causa a falta de circulação na região.
  • Quando a pessoa não morre, ela pode ficar com sequelas sérias."Minha pressão subiu muito, caí no chão e fiquei gravemente doente", lembra Norma.Com o tempo, ela recuperou a fala e voltou a andar com a ajuda de uma bengala, mas não pôde voltar a trabalhar. O Estado concedeu-lhe uma aposentadoria por invalidez, que antecipou sua aposentadoria por velhice.Naquela época, o que Norma recebia era equivalente a R$ 925 por mês, o que lhe permitia cobrir todas as suas necessidades básicas.
  • "Comprava comida, pagava o telefone, os remédios, e meu marido também trabalhava", conta.O ex-presidente Hugo Chávez havia promovido uma reforma da Constituição em 1999 que incluía a obrigação do Estado de pagar um salário mínimo que cobria as necessidades básicas das pessoas, e as aposentadorias seguiam essa mesma regra.
  • Em 2015, o marido de Norma morreu e a sua aposentadoria passou a ser sua única renda.
  • Foto polaroid da famíliaColapso                                                                         
  • Formalmente, o sistema previdenciário na Venezuela é uma modalidade em que os trabalhadores ativos contribuem com uma porcentagem de seu salário para pagar as pensões da população em idade de aposentadoria — da mesma forma que no Brasil.Mas a contribuição hoje é muito pequena, porque muitos trabalhadores, principalmente os mais qualificados, deixaram o país. Além disso, os salários são baixos, o bolívar está desvalorizado e boa parte dos empregos está no setor informal da econmia, que não contribui para o sistema.
  •  A aposentadoria e títulos que o governo distribui para tentar amenizar a deterioração. Mas ao somar toda a sua renda, o que ela recebe não chega a R$ 27 por mês, o que dá para comprar um quilo de carne.Entre suas prioridades, entretanto, não está a carne, mas os remédios que toma diariamente para regular a pressão arterial.

    Ela consegue o remédio no sistema governamental de distribuição de medicamentos, mas nem sempre os remédios são entregues no prazo. Portanto, ela guarda dinheiro para essa eventualidade.

    "Não consigo comprar uma caixa cheia, mas pelo menos compro meia caixa, que dá 20 comprimidos".Ela explica que os médicos alertaram para a importância de ela regular a pressão arterial para minimizar o risco de outro derrame.

    to,Remédios são a prioridade de Norma, para que ela não corra o risco de sofrer outro AVCPortanto, o custo das aposentadorias de 4,5 milhões de venezuelanos recai sobre o Estado. E as contas não batem.A principal fonte de renda é o petróleo, de onde vem nove em cada dez dólares que entram no país. E a extração caiu drasticamente desde 2017. Essa é uma das causas do Estado estar empobrecido, sem recursos, ao que se soma à maior inflação do mundoNesse ambiente, há três anos, o Banco Central da Venezuela vem cortando continuamente a oferta de dólar, ao qual os venezuelanos recorrem para tentar poupar. Isso fez o preço da moeda norte-americana subir muito.

 
 
egenda da foto,

  

Norma ao lado dos itens que ela recebe como cesta básica
 
Legenda da foto,Faz muito tempo que Norma não come carne, frango ou leite

 

 
Legenda da foO bairro onde ela mora tem sofrido com constantes cortes de luz e de águaE não foi só o serviço de energia elétrica se deteriorou no bairro.

 

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