Mãe e companheira cortaram pênis de menino um ano antes dele ser morto e esquartejado
A história trágica do pequeno Rhuan Maycon da Silva Castro, assassinado enquanto dormia pela própria mãe, é marcada por uma sequência de episódios de abandono, isolamento familiar e maus-tratos, que alcançaram o ápice da crueldade com uma falectomia caseira (ele teve o pênis decepado pela mulher que lhe deu a vida) há um ano e o esquartejamento de seu corpo já sem vida, na sexta-feira (31/05/2019). Depois, a mãe e a companheira tentaram queimar partes do cadáver, que foram, por fim, colocadas em uma mala e duas mochilas que seriam desovadas. A reportagem é de Yago Sales, especial para o Metrópoles.
Em 2015, aos 7 anos, o garoto foi separado do pai. Naquele ano, a mãe de Rhuan, Rosângela Auri da Silva Cândido, e a companheira dela, Kacyla Priscyla Santiago Damasceno Pessoa, cúmplice no homicídio, praticamente fugiram do Acre arrastando o menino e a filha de Kacyla, à época com 6 anos. Os pais das duas crianças não foram informados sobre a mudança da família, que passou a morar de forma quase clandestina em cidades de Goiás e do Distrito Federal. De lá para cá, o garoto e a “irmã” perderam o vínculo com outros parentes – tanto paternos quanto maternos – e eram impedidos de frequentar a escola.
Tudo indica que Rhuan – um menino quieto, segundo pessoas que cruzaram o caminho de Rosângela, Kacyla e as crianças – vinha sofrendo calado. Presa pelo homicídio do filho, a cabeleireira Rosângela confessou à polícia ter decepado o pênis do menino há cerca de um ano. Conforme o relato, ela e Kacyla submeteram o menino, em casa e com uso de materiais rudimentares, a uma espécie de cirurgia de mudança de sexo. Após emascularem o pequeno, elas costuraram a região mutilada e improvisaram sua versão de um órgão genital feminino.
A mulher não detalhou como trataram o garoto de tal procedimento e suas possíveis consequências, como infecções e dores. Perguntada sobre o motivo desse ato, Rosângela afirmou que, para ela e a companheira, o menino queria se tornar uma menina. Esse é um dos motivos de elas manterem Rhuan com os cabelos longos – ele estava assim quando morto.
Fuga pelo país Pouco se sabe da rotina de Rhuan, Rosana, Kacyla e a filha dela, de 8 anos, nos últimos cinco anos, desde a fuga de Rio Branco (Acre). As investigações, a cargo da equipe da 26ª Delegacia de Polícia de Samambaia (DF), indicam que o quarteto mudava frequentemente de cidade, vivendo em lugares afastados, onde os pequenos não tinham contato com pessoas desconhecidas, vizinhos e outras crianças.
Enquanto Rhuan era vítima de violações, as famílias paternas dele e da menina de Kacyla viviam uma saga, tentando convencer a Justiça de que as crianças corriam riscos. Com ajuda da advogada Octávia Moreira, várias petições foram feitas para garantir o retorno das crianças a Rio Branco. A defensora foi procurada pelo avô do menino, Francisco das Chagas de Castro, de 63 anos, e pelo pai da menina que viu Rhuan ser assassinado, Rodrigo Oliveira, de 29 anos.
Ao Metrópoles, Octávia Moreira explica que inicialmente as famílias pretendiam saber o paradeiro do menino e da menina. “A gente pesquisou em vários bancos de dados. Começamos pelo Sistema Único de Saúde [o SUS], sistemas do MEC [Ministério da Educação], mas nada indicava que as crianças passavam por esses atendimentos”, conta.
Com postagens da família de Rhuan nas redes sociais, pistas do paradeiro de Rosana, Kacyla e os dois filhos surgiram em várias cidades de Maceió e Goiás. “Como o pai da menina tinha a pensão descontada em folha, começamos a rastrear os saques. Foi assim que descobrimos que elas estavam em Anápolis, por exemplo”, diz a advogada.
A família já sabia que o menino sofria maus-tratos, como o relatado por uma motorista de um abrigo de Rio Branco. “Ela me disse que o menino era tratado muito mal. Não conseguia entender esse ódio todo porque ele era muito quieto. Usei essas informações para uma petição daqui de Rio Branco para busca e apreensão quando o pai da menina foi a Goiás com o seu Francisco [avô de Rhuan]. O problema é que a decisão demorou muito”, lembra Octávia Moreira.
"A gente sabe que não foi apenas esse crime [o assassinato]. O Rhuan foi torturado. Elas confessam que o pênis dele foi decepado há um ano. Tenho relatos que estão no processo que esse menino vinha sofrendo desde antes de sair de perto da família. Além da morte, do jeito que elas fizeram com o corpo, as crianças não iam à escola nem ao médico".
O pai da menina e ex-marido de Kacyla Priscyla, o agente penitenciário Rodrigo Oliveira, conta à reportagem que viajou de Rio Branco com o avô do menino até Goiânia. “Ficamos uma semana lá e íamos todos os dias para Anápolis. Quando o mandado de busca foi autorizado pela comarca da cidade, a gente procurou ajuda do Conselho Tutelar e da Polícia Civil de Goiás, mas ninguém nos ajudou”, relata.
A advogada Octávia Moreira destaca que o pai e o avô tinham em mãos uma decisão judicial encaminhada através de carta precatória para ser cumprida pela comarca de Anápolis. A reportagem aguarda contato com o fórum da cidade, retorno da Comunicação da Polícia Civil e do Conselho Tutelar de Anápolis sobre o caso: o espaço segue aberto a manifestações.
Para Rodrigo, a burocracia provocou a morte de Rhuan. “Se tivessem ajudado a gente, pelo menos ter acompanhado, tenho certeza que nada disso teria acontecido”, garante ele, que chegou ao Distrito Federal neste domingo para buscar a filha que não vê há cinco anos. “Eu e o seu Francisco não podíamos chegar lá e pegar as crianças porque elas [Rosana e Kacyla] podiam usar isso contra a gente”, resigna-se o pai da menina.
Apenas em Goiás, Rosana, Kacyla e as crianças teriam passado por três cidades: Anápolis, Goiânia e Aragoiânia. “A gente tinha muita dificuldade de encontrá-las porque sempre ficavam dois ou três meses em um lugar diferente”, complementa a advogada Octávia Moreira.
Acusadas de furto Em uma das passagens por Aragoiânia, na região metropolitana de Goiânia, Rosana e Kacyla procuraram a dona de uma chácara onde pudessem morar e trabalhar. Marizete Chaves não desconfiou que duas mulheres com duas crianças pudessem, dois meses depois, furtar vários pertences do local e desaparecer. Antes, no entanto, algumas coisas chamaram a atenção da senhoria. “As crianças eram sempre quietas e ficavam a maior parte do tempo trancadas no quarto”, conta Marizete.
“A gente ajudava muito mais do que com a moradia. Minha mãe comprava comida para as crianças também”, diz Marizete, que percebeu algo estranho quando chegou em um dia de maio de 2017 ao local. “Elas tinham desaparecido e levaram vários objetos de valor”, acusa.
Ao perceber o furto, Marizete procurou uma delegacia para registrar boletim de ocorrência. Nas mãos, levava a única fotografia que tinha das mulheres e das crianças: o grupo está diante de um córrego que passa pela propriedade. Além do registro na polícia, ela escreveu um texto no Facebook pedindo para que quem tivesse notícia denunciar as duas.
Depois do post, Marizete foi procurada pela família de Rhuan: foi quando soube que as mulheres não tinham a guarda das crianças. “Tenho certeza que elas usaram o menino [Rhuan] para pular a janela e pegar as coisas”, acredita.
O print da postagem foi utilizado pela advogada Octávia Moreira para tentar convencer a Justiça sobre a índole das mulheres que fugiram com os filhos. As pistas continuaram, mas a distância fazia os familiares relutarem a viajar.
Octávia Moreira, enquanto explica as tentativas de resgate às crianças, comenta o desespero dos avós de Rhuan: “O avô, que tanto tentou achar o neto, que vinha aqui no meu escritório e chorava sempre, não fala nada [sobre o assassinato da criança]. A avó está à base de remédios”.
Para ela, as mulheres tinham interesse apenas na pensão alimentícia de um salário e meio pago pelo pai da menina. “A gente tentou suspender a pensão, mas foi deferido apenas em 2019. Isso obrigaria a mãe da menina a procurar a Justiça para reaver o direito da filha. Era uma chance de conseguirmos encontrar as crianças e, assim, devolvê-las a quem tinha interesse em cuidar”, diz.
Exemplo para salvar outras vidas Ainda segundo a advogada, as mulheres não entregavam o menino para evitar que a polícia soubessem mais sobre a rotina de sofrimento à qual ele era submetido. “Agora entendo porque ela não queria entregar a criança. Rhuan estava mutilado, sem o pênis. Fico imaginando o sofrimento dele, sem remédio, sem médico”, lamenta a defensora.
Ela pretende levar o caso do pequeno Rhuan às comissões de Direitos Humanos e de Defesa dos Direitos da Criança da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), afim de que a trágica história do menino sirva de alerta e evite que crianças passem pelo horror sofrido por ele.
Testemunha ocular da execução de Rhyan, a menina sobrevivente dos horrores praticados por Rosana e Kacyla será formalmente ouvida pela polícia e Justiça nesta segunda-feira (03/06/2019). Ela permanece em um abrigo do Distrito Federal.
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