Em 4 de janeiro de 2023, quatro dias antes da invasão às sedes dos Três Poderes, em Brasília, o BNMP (Banco Nacional de Monitoramento de Prisões) recebeu um pedido de detenção atípico. "Expeça-se o mandado de prisão em desfavor de mim mesmo, Alexandre de Moraes. Publique-se, intime-se e faz o L."
O falso pedido de prisão de Moraes contra ele mesmo levou o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), responsável pelo BNMP, a retirar o sistema do ar no dia seguinte. A razão, informou o órgão, era uma "publicação indevida".
A publicação "determinava" a remessa de "todos os inquéritos de censura e perseguição política em curso no Supremo para o CNJ a fim de quem me punam exemplarmente".
O caso, desde então, passou a ser investigado pela Polícia Federal.
Seis meses depois, a autoria da "brincadeira" não é mais nenhum mistério. Ela tem as digitais de Walter Delgatti Neto, mais conhecido como o hacker de Araraquara.
Preso, no fim de junho, por descumprir uma medida cautelar que o proibia de acessar redes sociais, o pivô da Vaza Jato deixou a carceragem da Polícia Federal em São Paulo na noite de terça-feira (11) por ordem da Justiça. De lá seguiu para Araraquara (SP), onde vai responder ao processo em liberdade e com monitoramento eletrônico.
O Hacker de Araraquara já admitiu que foi ele o autor da invasão ao CNJ e da trolagem contra Moraes. Mas diz que só fez o que fez a pedido da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), que, segundo ele, queria usar a invasão para provar uma suposta "fragilidade" dos sistemas.
Delgatti e Zambelli se aproximaram antes das eleições de 2022.
Em agosto do ano passado, o hacker chegou a se encontrar com o então presidente Jair Bolsonaro (PL) e o chefe de seu partido, Valdemar da Costa Neto, em Brasília. Zambelli foi quem intermediou a reunião.
O hacker, que em entrevista ao TAB, em julho, reclamava de não conseguir emprego devido à proibição de acessar a internet, teria passado a trabalhar para a deputada, segundo ele mesmo disse ao site Brazilian Report.
Sua defesa diz que ele foi contratado para prestar consultoria sobre a segurança nas urnas. Bolsonaro, que estava atrás nas pesquisas, tentava atribuir a iminente derrota a falhas no sistema eletrônico de votação (nada a ver com o banco de monitoramento de prisões acessado no CNJ, vale lembrar). Delgatti foi apresentado ao seu estafe naquele contexto.
O hacker, como se sabe, não conseguiu provar a fragilidade das urnas — elas funcionam de forma isolada e não ficam conectadas em rede.
A invasão ao sistema do CNJ teria sido uma espécie de prêmio de consolação para a deputada, que queria, na verdade, que ele hackeasse as urnas eletrônicas e as contas de Moraes. Informações sobre o depoimento de Delgatti à PF foram publicadas no blog da jornalista Andréia Sadi, do G1. Segundo a jornalista, Delgatti teria afirmado que foi a própria Zambelli quem redigiu a "ordem de prisão", e que ele só teria corrigido alguns errinhos de português antes de invadir e "expedir" o mandado.
Segundo o jornalista Octávio Guedes, do G1, Delgatti disse ter relatado as conversas com Zambelli à PF por medo de morrer.
A coluna confirmou que este é um temor do hacker, que não descarta "entregar" Zambelli em uma delação formal. (Se isso acontecer, será uma oportunidade de contar em detalhes qual era o seu "job description" e quem, afinal, pagava seu salário.)
Procurados, os advogados de Delgatti, Ariovaldo Moreira e seu filho, Mateus Moreira, confirmaram que o cliente responde a um inquérito relacionado à invasão do CNJ, mas não quiseram dar detalhes. Devido à menção ao nome da deputada, o caso subiu para o STF, segundo os defensores. A assessoria da corte não confirma, mas informou que o processo pode estar em sigilo.
Zambelli já disse desconhecer a história da invasão ao CNJ. A coluna tenta contato com ela e aguarda um retorno.
Em entrevista à GloboNews, Valdemar da Costa Neto disse que Delgatti pediu a Zambelli para ser apresentado aos líderes da legenda com a intenção de conseguir trabalho. Os advogados de Delgatti afirmam que, na verdade, ele é quem foi procurado e convidado por Zambelli. A ideia não era trabalhar no PL, mas "assessorar" Bolsonaro em seu discurso sobre as urnas eletrônicas. Uma espécie de "consultoria" em TI.
Ariovaldo Moreira e Delgatti estavam rompidos desde que o hacker se encontrou com Bolsonaro e o comando do PL na campanha. Ele foi procurado pela família do investigado após a prisão, em São Paulo, quando ele já havia confessado à PF a invasão à PF ao CNJ, e voltou a defendê-lo.
Sobre a possível delação e o "pedido de prisão" feito pelo hacker contra Moraes, Ariovaldo e Mateus Moreira afirmam que só responderão nos autos dos processo.
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Matheus Pichonelli
Colunista do UOLm
12/07/2023 18h37