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Família quer MP investigando 'incitação ao suicídio' de policial em MG
NOTÍCIA
Publicado em 07/07/2023

 

Esse não foi o único constrangimento a que foram submetidos. No início da investigação sobre a morte da escrivã, os trabalhos eram conduzidos em Barbacena, a 40 km da delegacia de Carandaí, onde trabalhavam Rafaela, o delegado Itamar Cláudio Netto e o inspetor Celso Trindade de Andrade, investigados pelo assédio à escrivã. A veterinária Karoline Drumond, 37, irmã de Rafaela, contou que, nas primeiras semanas, "não tiveram esclarecimento nenhum a respeito da investigação".

Pela proximidade entre Carandaí e Barbacena, Aldair desconfiou da imparcialidade da apuração — "lá são todos compadres", afirmou. Após protestos da família, em 22 de junho a Corregedoria-Geral da Polícia Civil, em Belo Horizonte, assumiu o caso.

A escrivã da Polícia Civil Rafaela Drumond (à esq.) e sua mãe Zuraide Drumond (à dir.) - Reprodução/Redes sociais - Reprodução/Redes sociais

'Cara de delegada'

Rafaela cresceu no sítio em Antônio Carlos, rodeada por natureza. Quando criança, tinha o hábito de recolher animais nas ruas e sonhava ser veterinária. Ao entrar na juventude, porém, mudou de ideia: queria se tornar delegada de polícia.

Para Amanda Zaquini, 32, sua colega na faculdade de direito tinha o perfil para a função. "Rafaela era bem capricorniana, como ela mesmo brincava: séria, focada e determinada. Tinha cara de delegada", diz.

No fim do curso, lembra Aldair, Rafaela perguntou ao pai: "quero ficar por conta de estudar para o concurso, o senhor me apoia?" Os pais apoiaram, e Rafaela iniciou sua jornada de concurseira.

Para ganhar experiência, inscreveu-se em outros concursos além do de delegada. Passou na prova para policial penal e estava para assumir a vaga quando tirou o segundo lugar no concurso de escrivã da Polícia Civil. Optou por esse cargo, com o plano de seguir estudando para delegada.

"Ela ficou contente de ingressar na polícia", conta Jéssica Oliveira, 30, funcionária da prefeitura de Barbacena e amiga de Rafaela desde a adolescência, a quem descreve como "leal, carinhosa, forte, sempre disposta a defender os outros, além de bastante festeira, é claro".

As duas conversavam horas a fio sobre assuntos diversos, incluindo a vida profissional, mas desde meados de 2022 Rafaela respondia com evasivas se perguntada sobre o trabalho. Nessa época, ela havia sido transferida de Contagem para Carandaí.

Começaram ali os assédios, que a escrivã detalhou em mensagens de áudio enviadas a uma amiga, que pediu para não ser identificada. Após sua morte, os áudios foram divulgados à imprensa, bem como um vídeo gravado por Rafaela. Nele, um homem, segundo Rafaela um inspetor de polícia em Carandaí, a ofende, desafiando-a a denunciá-lo.

"Eu não vou esquecer do que você me chamou não, tá?", diz Rafaela. "É muito cabecinha fraca, é muito cabecinha fraca?", responde o homem, gargalhando. A escrivã afirma que ele "vai se arrepender do que falou", ao que o sujeito rebate: "ah, vou, por quê? Vai me processar?"

Nos áudios, Rafaela contextualiza o vídeo. "Um inspetor machista ficava me assediando sexualmente", contou a escrivã, acrescentando que ele era casado. Rechaçado muitas vezes, o homem passou a intimidá-la.

Certo dia, numa confraternização entre policiais, esse seu superior hierárquico lhe teria dito que "polícia não é lugar de mulher", xingando-a de "piranha" e argumentando que, se achava isso machista, Rafaela devia ser "petista". Ela não escutou calada. Respondeu que o chefe não tinha educação, e ao ouvir tal resposta o homem jogou a mesa para cima, derrubando as bebidas. Foi quando Rafaela começou a filmar.

O caso, disse Rafaela em outro áudio, foi relatado a Itamar Netto, delegado de Carandaí à época. "Ele não queria que eu tomasse providência, porque ia sobrar pra ele também", lamentou à amiga. Dos colegas na delegacia, todos homens, disse ter ouvido um conselho: que deixasse tudo "entrar por um ouvido e sair pelo outro".

Ante "tanto terrorismo", narra Rafaela, ela tentou transferência para outra cidade, mas, segundo um morador de Carandaí que falou ao TAB sob condição de anonimato, o delegado negou o pedido, pois "fazia de tudo para demiti-la".

"É isso que eu sofro, isso que tô sofrendo desde o ano passado", disse Rafaela, em áudio enviado em fevereiro deste ano. "Não contei para vocês porque quanto mais eu falo, mais a energia volta."

'Encarando-as com naturalidade'

Após a morte de Rafaela, Itamar Netto e Celso Trindade foram transferidos para Conselheiro Lafaiete. O TAB tentou contato com ambos por redes sociais, nas delegacias onde trabalharam antes e onde estão atualmente, e junto ao sindicato dos delegados, mas não conseguiu contato com nenhum dos dois.

Na avaliação do Sindicato dos Escrivães de Polícia, o correto seria que ambos fossem afastados. Marcelo Horta, 48, diretor jurídico do sindicato, diz não restar dúvidas de que o suicídio foi consequência dos assédios. Ele diz ainda que o caso não é isolado, mas fruto de uma "cultura arcaica" em que o assédio é tratado como normal.

E exemplifica: em 2023, seis policiais civis fizeram o mesmo em Minas. Além disso, na "avaliação de desempenho" a que estão sujeitos os policiais, no quesito "adaptabilidade" a nota máxima é atribuída somente a quem demonstra "capacidade de adaptação a pressões, resistindo ao assédio moral, assimilando mudanças de quaisquer naturezas, encarando-as com grande naturalidade, maturidade e boa vontade".

O sindicato cobrou a direção da polícia sobre os termos da avaliação, mas não obteve resposta.

Aldair volta hoje a BH para participar da audiência na Assembleia Legislativa, remarcada para esta sexta-feira (7), e para conversar com a advogada da família, que defende que a morte de Rafaela seja tratada como decorrente da "incitação ao suicídio".

O foco, agora, está no celular: "O celular da minha filha tem muita informação sobre os assédios, mas a delegada alegou que provavelmente não terá condições técnicas de desbloqueá-lo", reclama Aldair, para quem falta transparência à instituição. "Não confiamos mais na Polícia Civil nem na Corregedoria, queremos que o celular vá para o Ministério Público", exige. Karoline, a irmã, reforça: "Eles estão investigando, e eles são os investigados".

Em nota à imprensa, a Polícia Civil disse que "as investigações continuarão sendo conduzidas de maneira isenta e imparcial".

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