Não é algo raro que policiais militares de São Paulo se reúnam em templos da Igreja Universal, como aconteceu na quinta-feira (22), quando 700 integrantes do 11º Batalhão ocuparam quase todos os assentos do templo da avenida Brigadeiro Luis Antonio.
"Saí da academia de soldados em 2015 e desde o início fui convocado para eventos desse tipo", contou à coluna o ex-PM Leandro Prior, que ficou na corporação até 2021. Ele pediu exoneração ao denunciar perseguição de superiores por ser homossexual.
Apesar do pretexto da corporação de reunir tropas por motivos protocolares, como anúncio de homenagens e promoções, os encontros sempre contam com a participação de um pastor e menções bíblicas, além de orações. Prior, que é adepto do candomblé, não se sentia confortável nessas ocasiões.
"É algo constrangedor, porque contempla as pessoas de uma religião e as outras têm que ficar em silêncio", observa ele, que é coordenador da Setorial Estadual de Segurança Pública do PT/SP.
Para o ex-soldado, o pretexto de que os templos são usados pela PM apenas porque comportam um número maior de pessoas não convence, já que a corporação chegou a ocupar outros espaços, que nunca mais voltaram a receber essas reuniões.
"O verdadeiro objetivo é criar um laço entre a corporação, seus membros e aquele local (os templos)", acredita Prior, que atualmente trabalha na Assembleia Legislativa de São Paulo como assessor da deputada Professora Bebel (PT).
Nessa entrevista, ele fala sobre os riscos dessa perigosa simbiose entre a Polícia Militar e a Igreja Universal.
UOL - Eram frequentes convocações para reuniões em templos da Igreja Universal, quando vocês estava na PM de São Paulo?
Leandro Prior - Saí da academia de soldados em 2015 e desde o início fui convocado para eventos desse tipo. Era algo costumeiro, os pretextos são premiações com medalhas, informes. O verdadeiro objetivo é criar um laço entre a corporação, seus membros e aquele local (os templos). Isso ficou mais do que notório desde o começo entre os soldados, cabos e sargentos que eram convocados e obrigados a ir.
Muitas vezes essas reuniões eram feitas até em dias de folga. Não era nada voluntário, já que tinha lista de presença.
Eram eventos puramente militares ou tinha também o cunho religioso?
Tinha, sim, falas religiosas, tinha a presença das autoridades religiosas da Universal. Não era um ato ecumênico, não havia padre católico, representantes judaicos ou do candomblé.
Era um misto de solenidade militar com fala religiosa. Um pastor fazia citações bíblicas, chamavam todos a orar. Diziam que quem não era daquela religião poderia permanecer em silêncio. Eu, por exemplo, sou do candomblé. É algo constrangedor, porque contempla as pessoas de uma religião e as outras têm que ficar em silêncio. Imagine se fosse o contrário, evangélicos obrigados a ir a um terreiro?
Ou seja, era um encontro especificamente direcionado à Universal. É um trabalho que eles desenvolvem há muito tempo, de cunho religioso, político e eleitoreiro, que agora fica muito mais claro, já que o atual governador é do partido comandado pela Igreja Universal (Republicanos).
Que tipo de comentários os seus colegas policiais faziam sobre essa situação?
Falavam em abuso de autoridade, que eram indiretamente forçados. Não tinha nada a ver com policiamento. Muitos ficavam no celular, esperando o tempo passar. Diziam que essas reuniões poderiam ser feitas em outros espaços.
À coluna, a PM alegou que usa os templos porque outros espaços não comportam um grande número de soldados. O que acha dessa explicação?
Isso não convence. Já houve reuniões dentro da Uninove (universidade privada de Sâo Paulo), já houve dentro da Sala São Paulo. Mas agora está restrito somente a esse tipo de espaço religioso.
Na sua opinião, quais os grandes riscos dessa parceria da polícia com uma denominação religiosa?
O primeiro risco é que nós sabemos que a PM hoje tem grande número de suicídios e de transtornos mentais adquiridos, estresse pós-traumático. Então, existe a oportunidade de [a religião] abraçar aquele que está fragilizado. Mas é completamente absurdo e grotesco utilizar essa iniciativa para cooptar policiais para a sua religião e assim obter lucro, convencendo essas pessoas a dar parte do salário dele para instituição religiosa.
O segundo risco é que tinha uma lista de presença da instituição religiosa e não da instituição policial, com contatos de WhatsApp, relação de e-mails, nome completo. Ninguém sabe se as informações eram repassadas ou não para a Universal. Esses dados podem ser trabalhados para fins religiosos, para fins políticos e partidários, uma vez que a própria igreja tem um partido para chamar de seu.
O terceiro risco é o policial criar vínculo ainda que forçado com a instituição. No momento da "necessidade" esse vínculo seria acionado, o policial sempre há de estar ao lado deles.
O fato de o governador Tarcísio de Freitas ser do Republicanos, partido ligado à Universal, torna tudo isso mais grave, não?
Os policiais podem acabar cooptados por uma vertente religiosa, podem acabar dando ressonância aos ideais do partido e da religião. Por exemplo, em uma manifestação a favor da descriminalização da maconha, descriminalização do aborto e outras pautas progressistas, os PMs podem agir de modo mais contundente porque estão em alinhamento com a Universal e também alinhamento partidário com a legenda do governador.
'Não existe qualquer convênio'
A assessoria de imprensa da PM-SP informou que o evento de quinta (22) "foi realizado num espaço pertencente à Igreja Universal, que voluntariamente cedeu o local para a ocasião", mas "não existe qualquer convênio da instituição com a igreja ou qualquer outra entidade religiosa, esportiva ou municipal que eventualmente ofertam espaços para eventos".
A PM alegou, na ocasião, que esse tipo de utilização acontece quando é necessário "passar instruções a grupos maiores de policiais, que não são comportados em espaços pequenos, como foi o caso relatado".