Estudante português reforça sugestão de pedradas em 'brazucas' e os chama de burros por insistirem em ir a Portugal
A Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, na qual em 2019 um grupo colocou uma caixa com pedras com a indicação "grátis para atirar em um zuca [brazuca]", voltou a ser palco de xenofobia.
Mais uma vez, um estudante da instituição foi acusado de fazer alusão ao apedrejamento de brasileiros. A direção da faculdade afirmou ter aberto um processo disciplinar para avaliar a conduta do aluno.
O episódio ocorreu na Reunião Geral dos Estudantes, em 20 de abril, quando um aluno-conselheiro da faculdade pediu a palavra para criticar uma carta entregue por brasileiros à comitiva do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que realizava uma viagem a Lisboa.
No documento, os brasileiros relatam dificuldades enfrentadas pelos imigrantes no país europeu, incluindo questões relacionadas ao ensino superior. O conteúdo aborda de questões burocráticas junto ao órgão migratório até o valor pago pelos estrangeiros, diferente do montante nas mensalidades para locais.
O grupo também chamou a atenção para casos de discriminação e relembrou o episódio com a caixa de pedras ocorrido em 2019. Naquela ocasião, o grupo satírico Tertúlia Libertas, que colocou a caixa no salão de entrada da faculdade, negou que a intenção fosse xenofóbica. Segundo eles, tratava-se de uma mensagem satirizando a grande quantidade de brasileiros na instituição.
lá fora
Na reunião realizada em abril, o aluno Hélder Semedo, ex-presidente da Associação Acadêmica da Universidade de Lisboa, pediu a palavra para rebater os pontos apresentados pelos brasileiros. Além de criticar a carta e as denúncias, o estudante português rechaçou a menção ao episódio com a caixa com pedras, descrito por ele como uma brincadeira ocorrida há anos e da qual ninguém se lembrava.
Semedo também criticou o fato de os estudantes tratarem o presidente apenas como "Lula". Em Portugal, a praxe é sempre incluir o sobrenome das autoridades, o que faz com que o chefe de Estado brasileiro seja citado como Lula da Silva em declarações oficiais e na imprensa.
O estudante expressou então sua interpretação da intenção dos autores com a carta: "Lula, é só para dizer que Portugal é um país péssimo, que somos super maltratados e mesmo assim somos tão burros que continuamos a ir para lá". Ele finalizou dizendo que os autores "de fato mereciam levar com uma pedra".
Acusado de xenofobia, Semedo foi suspenso das reuniões. Alunos brasileiros relatam, porém, o que veem como uma tentativa de abafar o caso, porque, sob a justificativa de desrespeito ao regimento, as falas de Semedo foram excluídas da ata do evento —e incluídas depois apenas por pressão dos brasileiros.
Aluno de mestrado na faculdade, o brasileiro Pedro Marangoni relata que o episódio causou indignação. "É claro que repudiamos [as declarações] e o fato de a associação de estudantes ter omitido isso da ata da reunião", diz. Os estudantes brasileiros organizam um ato contra a xenofobia para a próxima terça (16).
Um dos organizadores, Carlos Diego, que fez parte do grupo que entregou a carta dos brasileiros à ministra Anielle Franco (Igualdade Racial), reafirma a importância do conteúdo apresentado. "As declarações ofensivas foram feitas em uma reunião importante da universidade. Foi grave", diz.
china, terra do meio
Em nota, a faculdade de direito afirmou que "repudia e não tolera qualquer situação de discriminação" e que a atitude de Semedo será investigada. "O ambiente multicultural na instituição, proporcionado pela presença de alunos e professores das mais diversas geografias, é uma das suas mais-valias."
Desde 2014, quando Portugal aprovou uma lei que facilita a entrada de estudantes internacionais —e que permite a cobrança de mensalidades mais caras para estrangeiros em instituições públicas—, o número de brasileiros nas universidades lusas disparou. Os brasileiros são a maior comunidade internacional no ensino superior português. Na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, cerca de 20% dos alunos são cidadãos do Brasil. No doutorado, eles representam 58% dos inscritos.