As denúncias de pessoas trabalhando em condições análogas a de escravo mais que dobraram no Brasil em 11 anos, revelam dados repassados ao UOL com exclusividade pelo MPT (Ministério Público do Trabalho).
Em 2012, o MPT recebeu 857 denúncias de escravidão contemporânea — em 2022, esse número chegou a 1.973:
2012: 857
2013: 943
2014: 1109
2015: 1158
2016: 1034
2017: 1107
2018: 997
2019: 1116
2020: 834
2021: 1418
2022: 1973
Apesar do aumento de denúncias nos últimos anos, os resgates diminuíram no mesmo período.
O recorde foi em 2012 (2.775 resgates), enquanto 2017 foi o ano com menos pessoas retiradas dessa situação degradante, segundo o Portal da Inspeção do Trabalho. Os resgates voltaram a aumentar em 2018 e, em 2022 (2.575 resgates), se aproximaram do patamar de 2012:
Para o procurador do trabalho Italvar Medina, houve "redução das fiscalizações de rotina" nos últimos anos porque "não é feito concurso público desde 2013 e há mais de 1.500 cargos vagos, o que representa quase 50% do total de cargos".
Esse corte aconteceu apesar do aumento de denúncias decorrentes do aumento "dos índices de pobreza resultado tanto do agravamento da situação econômica do país quanto dos efeitos da pandemia de covid-19", afirma.
Quando a situação econômica se agrava, aumentam as chances de essas pessoas (...) serem aliciadas para trabalho em locais distantes mediante falsas promessas de ótimas condições de trabalho e remuneração"Italvar Medina, procurador do trabalho
Procurado, o Ministério do Trabalho não quis comentar o aumento das denúncias e a redução dos resgates nos últimos anos, mas confirmou a queda no quadro de fiscais, que passou de 2.496, em 2016 — último dado disponível —, para 1.952 em 2022.
Barraco onde dormiam trabalhadores resgatados do trabalho escravo - AFT - AFT
Barraco onde dormiam trabalhadores resgatados do trabalho escravo em fazenda de gado no Mato Grosso do Sul
Imagem: AFT
Os 2.575 resgates no ano passado ocorreram depois de 462 fiscalizações, segundo nota do Ministério do Trabalho.
"Apenas nos estados de Alagoas, Amazonas e Amapá, mesmo fiscalizados, não foram constatados casos de escravidão contemporânea em 2022", afirmou a pasta.
Minas Gerais foi o estado com mais resgates no ano passado: 1.071. A principal ação ocorreu na cidade mineira de Varjão de Minas, quando 273 trabalhadores eram explorados em atividade de corte de cana-de-açúcar.
Já o Rio Grande do Sul, onde em 22 de fevereiro foram resgatadas 207 pessoas que trabalhavam em vinícolas em Bento Gonçalves, viu disparar o número de regastes desde 2021.
O perfil dos resgatados no Brasil em 2022
92% são homens.
29% com idade entre 30 e 39 anos.
51% moravam no Nordeste.
83% se declararam pretos ou pardos.
15% se declararam brancos.
2% se declararam indígenas.
Ainda segundo a pasta, 23% estudaram até o 5º ano, 20% tinham do 6º ao 9º ano incompletos e 7% eram analfabetos.
"148 resgatados eram migrantes de outros países, o dobro em relação a 2021", diz o ministério:
As principais atividades que empregaram mão de obra análoga à escrava foram:
Cana-de-açúcar: 362 pessoas
Atividades de apoio à agricultura: 273
Produção de carvão vegetal: 212
Cultivo de alho: 171
Cultivo de café: 168
Cultivo de maça: 126
Extração e britamento de pedras: 115
Criação de bovinos: 110
Cultivo de soja: 108 no cultivo de soja
Extração de madeira: 102
Construção civil: 68
Cama improvisada em cima deum cocho de curral - GEFM - GEFM
Cama improvisada em cima de um cocho de curral por trabalhador resgatado do trabalho escravo
Imagem: GEFM
Embora a maior parte das fiscalizações no ano passado tenha sido em área rural, 27% das ações aconteceram nas cidades, com 210 trabalhadores resgatados de diversos setores, como restaurantes, confecção e roupas e construção civil.
Trinta e cinco crianças e adolescentes também foram encontrados em escravidão contemporânea: dez eram menores de 16 anos e 25 tinham de 16 e 18 anos.