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Em pré-campanha, Lula promete volta a passado impossível
Política
Publicado em 09/05/2022

O ex-presidente Lula (PT) lançou no último sábado (7) sua pré-candidatura à presidência da República fazendo, novamente, comparações entre o atual governo Bolsonaro e os governos petistas e prometendo um retorno a um passado melhor.

No entanto, esse retorno é possível? Em seu livro "Só mais um esforço", o filósofo Vladimir Safatle analisa a história política brasileira, principalmente a mais recente, e aponta o esgotamento de alguns ciclos, como o do lulismo, que teria ficado evidente a partir das manifestações de 2013.

Segundo Safatle, a esquerda só conseguiu chegar ao poder no Brasil com Getúlio Vargas e Lula por meio do populismo, prática política que, no entanto, só pode existir e prosperar em conjunturas muito específicas, que não estão presentes atualmente. Para existir, o populismo depende de um líder carismático que consiga promover a conciliação entre elites e o povo e de uma conjuntura econômica favorável, presente na época do governo Lula, beneficiado pelo "boom das commodities" no mundo.

É essa conjuntura econômica favorável que permite ao líder promover benesses tanto para os que estão "em cima" como para os "de baixo", tanto que uma fala comum de Lula é a de que, em seus governos, "nunca na história do Brasil os empresários e os banqueiros ganharam tanto dinheiro", assim como os trabalhadores.

Segundo levantamento feito pelo jornal Valor Econômico com base em dados dos 50 maiores bancos, mas que não incluem o primeiro semestre do governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), os bancos lucraram R$ 279,9 bilhões durante todo o governo do ex-presidente petista, contra R$ 34,4 bilhões durante o mandato de seu antecessor tucano, ou seja, oito vezes mais.

Por outro lado, a difundida redução das desigualdades sociais que teria ocorrido nos governos petistas não seria algo tão certo. De acordo com um estudo feito pelo World Wealth and Income Database, instituto de pesquisa codirigido pelo economista Thomas Piketty, conhecido por seus estudos sobre desigualdade e autor da obra "O Capital no Século 21", os 10% mais ricos da população aumentaram sua fatia na renda nacional de 54% para 55% entre 2001 e 2015, enquanto os 50% mais pobres ampliaram sua participação de 11% para 12% no período.

Esse crescimento foi feito, segundo a pesquisa, às custas de uma queda da participação de dois pontos percentuais dos 40% que estão entre os dois extremos (de 34% para 32%). O crescimento econômico observado no Brasil no período teria tido pouco impacto na redução da desigualdade porque teria sido capturado, principalmente, pelos 10% mais ricos, que ficaram com 60,7% da expansão observada no período. Já a metade mais pobre da população foi beneficiada com apenas 17,6% desses ganhos.

Porém, diante do cenário econômico e político atual, muito pior do que aquele vivido na "época de ouro" petista, o ciclo das conciliações possíveis entre elite e povo teria chegado ao fim e agora um possível governo "de esquerda" precisaria escolher de que lado está, se dos mais ricos e privilegiados ou se da maioria pobre da população, defende Safatle. As promessas de Lula de "churrasco e cerveja" para a população, portanto, não seriam factíveis, assim como sua prática política conciliatória.

Safatle afirma em sua obra: "A ilusão fundamental do lulismo consistiu em acreditar que seria possível a sua conservação no poder através da mera gestão do processo de ascensão social. No entanto, a eliminação da tarefa de transformação da institucionalidade política brasileira significava a conservação de núcleos de poder e modelos de negociação que não apenas paralisariam o governo, mas preservariam a estrutura oligárquica do Congresso Nacional e do Poder Judiciário, assim como a capacidade de intervenção dos setores econômicos no processo político".

"O lulismo acreditou superar tal problema repetindo um modo de gestão de conflitos políticos que encontra suas raízes brasileiras na era Vargas. Lula aprimorou tal modelo ao governar através da transposição dos conflitos entre setores da sociedade civil para o interior do Estado", complementa.

Ainda segundo ele, "diferentemente de outros países latino-americanos que passaram por governos de esquerda, o Brasil não reformou sua Constituição nem mudou as regras dos processos eleitorais (...). Da mesma forma, não quebrou contratos (...) ou impôs restrições à circulação de capitais".

Sendo assim, o PT, por não ter realizado mudanças estruturais na sociedade brasileira realizando reformas necessárias, como as política e tributária, por exemplo, e vinculando constitucionalmente avanços e programas sociais, teria permitido que suas conquistas fossem desfeitas pouco tempo depois pelos governos de Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL).

"Voo de galinha" e 2013

Em sua análise, Safatle se utiliza também do que o pensador político Alexis de Tocqueville, autor de "Da Democracia na América", chama de "frustração relativa" para explicar o esgotamento do ciclo lulista evidenciado no governo de Dilma Rousseff (PT) e especialmente nas manifestações de 2013. Esse conceito busca explicar por que as revoltas populares e revoluções, muitas vezes, não são feitas pelos mais desfavorecidos, mas por grupos que esperavam mais do que conseguiram.

"Não são os mais pobres que fazem revoluções, mas aqueles que se encontram no interior de um processo de ascensão social incompleto. Ou seja, há uma tensão que impulsiona a ação de revolta. Tensão entre satisfação esperada e a satisfação realmente conseguida", diz Safatle. "Nesse sentido, poderíamos utilizar tal raciocínio e dizer que o governo Dilma não foi capaz de realizar as expectativas de desenvolvimento social produzidas por Lula, criando uma profunda frustração relativa", a qual teria desembocado nas manifestações de 2013.

Como diz Safatle no artigo "Onde tudo começou", "não é nem um pouco estranho que um dos eixos das manifestações de junho tenha sido a incapacidade de o Estado brasileiro parar o processo de corrosão dos salários e criar serviços públicos universais e de qualidade. Pois, se há algo que une tanto o subproletário quanto a classe média, é a consciência de que o processo de ascensão social produzido pelo lulismo esgotou. Ele só poderia continuar por meio da criação de um Estado capaz de oferecer serviços públicos que eliminassem os gastos das famílias com educação, transporte e saúde".

Esse "voo de galinha" da economia brasileira, que se encerrou no governo Dilma, com o consequente não cumprimento expectativas de uma melhoria duradoura da qualidade de vida da população, teria gerado, portanto, uma frustração nas "novas classes médias" do período petista que se encontravam em um frágil processo de ascensão social durante os governos de Lula. Esse sentimento de revolta criou o "caldo" que permitiu as manifestações de 2013 existirem, indicando o fim da possibilidade de conciliação sem mudanças estruturais da sociedade, e que, aliado ao "lavajatismo", resultou no crescimento de um candidato antissistema como Bolsonaro.

O passado ainda presente

Se, por um lado, não é possível a "volta ao passado" apregoada por Lula à população brasileira no sentido econômico e social, práticas petistas no campo da política que levaram ao cenário atual permanecem em um indicativo de que o partido não aprendeu nada com o impeachment de Dilma Rousseff.

O PT tem feito alianças e buscado aproximações com políticos que apoiaram o impeachment da ex-presidente, como Paulinho da Força (SD), Renan Calheiros (MDB), Eunício Oliveira (MDB) e até mesmo com Michel Temer. Essa prática, aliás, não é nova e tem sido feita desde 2018 quando a legenda fez alianças nas eleições daquele ano com políticos que apoiaram o impeachment.

O partido chegou ao ápice das alianças com "golpistas" colocando Geraldo Alckmin (PSB), outro defensor do impeachment e tucano raiz, na sua pré-candidatura à vice-presidência, o que teria feito Dilma dizer a Lula que "Alckmin será o seu Michel Temer. Quando você mais precisar, ele ficará à disposição da oposição para tomar seu lugar".

O partido aposta novamente num recuo à direita, dessa vez mais intenso do que de costume, usando Geraldo Alckmin como uma espécie de "2ª Carta ao povo brasileiro" humana que garantiria que Lula não afrontará o mercado e o "status quo" vigente. Outros indicativos desse recuo estão presentes no fato de o PT, na figura da sua presidente Gleisi Hoffmann, ter dito que manterá o atual presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em um eventual governo Lula e em declarações de Lula de que não revogará a reforma trabalhista realizada por Temer e que revisará apenas alguns pontos, como a mudança das regras para o trabalho intermitente.

Lula e o PT também se lançam, mais uma vez, sem propostas claras e sem um projeto de país que transforme a sociedade brasileira estruturalmente, falando genericamente de redução da pobreza e da melhoria da vida da população sem, no entanto, detalharem como isso será feito em um cenário adverso que será deixado pelo desastroso governo Bolsonaro. O ex-presidente chegou a dizer em entrevista à revista TIMES que não seria sequer preciso detalhar propostas no campo econômico: "A gente não discute política econômica antes de ganhar as eleições. [...] Quem tiver dúvida sobre mim olhe o que aconteceu nesse país quando eu fui presidente da República: o crescimento do mercado. [...] Ao invés de perguntar o que é que eu vou fazer, olhe o que eu fiz".

O retorno do bolsonarismo

A pergunta que fica é: o que Lula e o PT farão agora, numa conjuntura política e econômica muito mais destroçada, que já não poderiam ter feito quando governaram em cenários mais favoráveis?

O principal argumento petista de apoio a Lula é o de que é preciso derrotar Bolsonaro a todo custo e, como o ex-presidente ocupa o primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto, ele seria a melhor opção para isso. Novamente, o PT aposta em um discurso de medo e do voto no "menos pior", prática corriqueira do partido realizada em campanhas anteriores como em 2014 contra Marina Silva (Rede), quando o partido empreendeu uma campanha violenta de terror contra a ex-ministra dizendo que os brasileiros poderiam voltar a passar fome caso ela fosse eleita.

Ao mesmo tempo, a legenda aposta, novamente, na polarização com o atual presidente para alcançar a vitória, reproduzindo mais uma vez a aposta feita em 2018, quando o partido considerava que Bolsonaro seria o adversário ideal para ser enfrentado no segundo turno.

No entanto, se é preciso tirar Bolsonaro, também é preciso colocar algo que se sustente no seu lugar para que o futuro não repita o passado. Não basta, portanto, apenas derrotar o atual presidente, mas criar as condições para que o bolsonarismo não continue crescendo e retorne ao poder.

Isso só poderá ser feito se práticas do passado que já falharam não continuarem sendo reproduzidas e se mudanças estruturais da sociedade brasileira forem promovidas, algo que o PT não tem sinalizado que fará. Pelo contrário, seus sinais caminham no sentido do "mais do mesmo" que já deu errado e que nos trouxe ao cenário atual.

Não há mais espaço para discursos bem intencionados apenas. É preciso mostrar o que fazer, como fazer e fazer diferente de forma a deixar uma herança duradoura e não apenas conjuntural de transformação das bases da sociedade brasileira. Caso contrário, o fantasma do bolsonarismo estará nos esperando logo ali na próxima esquina.

Caso Lula vença e faça governo que frustre novamente a expectativa dos brasileiros — o que não seria difícil a julgar pelo que foi analisado acima (contexto político e econômico adverso, falta de projeto etc.) — corre-se o risco de presenciarmos o retorno do bolsonarismo após Lula, seja com Bolsonaro, se ele não estiver preso, seja em uma versão mais moderada na pele do ex-juiz Sergio Moro, caso ainda tenha carreira política, ou de outros políticos de extrema-direita. Há a possibilidade, portanto, de vermos a sociedade brasileira presa em um ciclo de petismo e bolsonarismo, com ou sem Bolsonaro, alternando-se no poder, enquanto ela continua a padecer de suas mazelas estruturais e históricas não resolvidas.

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