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Ministro da Educação diz priorizar amigos de pastor a pedido de Bolsonaro
Política
Publicado em 22/03/2022

BRASÍLIA

Em conversa gravada obtida pela Folha, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, afirma que o governo federal prioriza prefeituras cujos pedidos de liberação de verba foram negociados por dois pastores que não têm cargo e atuam em um esquema informal de obtenção de verbas do MEC (Ministério da Educação).

Milton Ribeiro diz que isso atende a uma solicitação do presidente Jair Bolsonaro (PL).

"Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do [pastor] Gilmar", diz o ministro na conversa em que participaram prefeitos e os dois religiosos.

Os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura têm, ao menos desde janeiro de 2021, negociado com prefeituras a liberação de recursos federais para obras de creches, escolas, quadras ou para compra de equipamentos de tecnologia.

Os recursos são geridos pelo FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), órgão do MEC controlado por políticos do centrão.

 

Na reunião dentro do MEC, Ribeiro falava sobre o orçamento da pasta, cortes de recursos da educação e a liberação de dinheiro para essas obras na presença de prefeitos, lideranças do FNDE e dos pastores Gilmar e Arilton.

"Porque a minha prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam e, em segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar", diz o ministro na conversa.

Milton Ribeiro também indica haver uma contrapartida à liberação de recursos da pasta. "Então o apoio que a gente pede não é segredo, isso pode ser [inaudível] é apoio sobre construção das igrejas".

 

Na gravação, ele não dá detalhes de como esse apoio se concretizaria.

O governo Bolsonaro tem sido marcado por cortes de recursos da educação. Os investimentos da pasta, nos dois primeiros anos da atual gestão, foram os menores da década.

Questionados, MEC, FNDE e a Presidência não responderam. Gilmar Santos e Arilton Moura foram procurados, mas também não se manifestaram.

Os dois pastores têm proximidade com Bolsonaro desde o primeiro ano do governo. Em 18 de outubro de 2019, participaram de evento no Palácio do Planalto com o presidente e ministros.

Em 10 de fevereiro do ano passado, por exemplo, estiveram ao lado de Ribeiro e também do presidente Bolsonaro em evento no MEC com 23 prefeitos —os nomes dos pastores não aparecem na agenda oficial.

 

A atuação dos pastores foi revelada na semana passada pelo jornal O Estado de S. Paulo.

Segundo relatos de gestores e assessores feitos sob anonimato, os pastores negociam pedidos para liberação de recursos a prefeituras em hotéis e restaurantes de Brasília.

Depois, entram em contato com o ministro Milton Ribeiro, que determina ao FNDE a oficialização do empenho —o primeiro passo da execução orçamentária, que reserva o recurso para determinada ação.

Políticos chegaram a ser recebidos na residência do próprio ministro, fora da agenda oficial, após reuniões no hotel Grand Bittar, na capital federal.

Em 5 de janeiro, o prefeito de Rosário (MA), Calvet Filho (PSC), gravou um vídeo com o ministro direto do apartamento dele, na Asa Norte de Brasília. Calvet falava sobre encontro "para tratar de liberação de recursos para construção de escolas, de uma creche e equipamentos".

O prefeito disse à reportagem que foi um encontro informal, mas que acabou rendendo mais. "Milton Ribeiro é pastor evangélico, amigo de outros pastores. Por causa desses amigos, estivemos juntos", disse ele, que reforçou a atuação de parlamentares nas demandas do município.

Calvet Filho negou que tenha negociado obras com os pastores. Disse conhecer Arilton pessoalmente e ter falado com Gilmar só por telefone. As conversas com os dois, diz o prefeito, foram para organizar pregações de Gilmar na cidade.

O prefeito afirma que conseguiu a liberação de cinco obras de educação. Pelo regramento do PAR (Plano de Ações Articulações), as transferências do FNDE devem seguir somente critérios técnicos analisados de modo impessoal pelos técnicos do órgão.

Em 15 de abril do ano passado, os pastores participaram de evento no MEC, em posição de destaque ao lado do ministro e, no mesmo dia, negociaram obras de educação com gestores no hotel Grand Bittar e no restaurante Tia Zélia, ambos em Brasília.

Prefeitos presentes nesses encontros conseguiram liberação para novas obras. O município de Anajatuba (MA), de 27 mil habitantes, por exemplo, teve seis obras empenhadas —a prefeitura nem sequer comprou os terrenos.

O prefeito Helder Aragão (MDB) esteve no MEC em 15 de abril e se encontrou com o pastor Arilton no hotel Grand Bittar, local usado recorrentemente pelos pastores.

"Esse pastor Arilton eu conheci em Brasília. Não tenho amizade com ele, fui até um hotel em Brasília onde tinha vários prefeitos e ele falava que conseguia obra para o FNDE", disse Aragão.

 

Aragão afirmou que, mesmo em Brasília, não negociou obras com os pastores nem com qualquer pessoa do MEC, e que os empenhos foram garantidos pelas vias burocráticas.

As intermediações dos pastores também ocorreram em eventos pelo interior do país, sobretudo na região Norte. Ambos acompanharam o ministro e o presidente do FNDE, Marcelo Lopes da Ponte, em viagens a municípios.

Em maio passado, estiveram em Centro Novo (MA), município de 22 mil habitantes. Ambos integraram oficialmente a mesa da solenidade e tiveram falas, como se fossem integrantes do governo.

"Minha história com Centro Novo começa com Arilton, esse homem que pegou no meu pé e insistiu para que eu desse atenção ao Maranhão. Depois conheci o Gilmar, o líder da igreja, que também ficou no meu pé", disse o ministro, em vídeo publicado pelo município.

O presidente do FNDE agradeceu aos pastores pela organização do evento, o que evidencia o protagonismo de ambos na definição da agenda da pasta. O prefeito de Centro Novo, Júnior Garimpeiro (PP), foi procurado, mas não respondeu.

No mesmo mês, Arilton viajou com o ministro em aeronave da FAB (Força Aérea Brasileira) a Alcântara (MA), segundo informações oficiais. O município garantiu empenhos para cinco obras num valor total de R$ 27,4 milhões.

Em ao menos seis solenidades oficiais, ambos se sentaram na mesa reservada às autoridades.

O pastor Gilmar Silva dos Santos comanda a igreja Ministério Cristo para Todos, em Goiânia (GO), ligada à Assembleia de Deus. Ele nasceu em São Luís, no Maranhão, estado onde concentra forte articulação com os prefeitos, assim como no Amazonas.

O Maranhão teve 94 municípios atendidos com 267 empenhos para transferências do FNDE no ano passado. Esses empenhos referem-se a obras ou aquisição de equipamentos ou veículos que somam R$ 684 milhões (considerando o valor total do projeto, não somente o empenhado).

Gilmar Santos preside uma entidade chamada Convenção Nacional de Igrejas e Ministros de Assembleias de Deus no Brasil Cristo para Todos, da qual Arilton aparece como secretário.

Milton Ribeiro chegou ao cargo em julho de 2020 após a demissão de Abraham Weintraub. Sem experiência em políticas públicas, foi escolhido por Bolsonaro exatamente por ser evangélico, como um aceno para a base religiosa que apoia o governo —Ribeiro lidera uma igreja presbiteriana em Santos (SP).

Não é a primeira vez que seu nome aparece em suspeitas envolvendo outros evangélicos. Em maio de 2021, a Folha revelou que o ministro atuou a favor de um centro universitário privado suspeito de fraude no Enade (avaliação do ensino superior).

A Unifil, de Londrina (PR), é presbiteriana, assim como o ministro. Ribeiro protelou o envio do caso à Polícia Federal, como preconizava a área técnica do MEC.

Nos primeiros meses como ministro, ele chegou a ser apontado nos bastidores como decorativo, por não se inteirar das rotinas da pasta. Mas, com o passar dos meses, reforçou iniciativas ideológicas e se aproximou de políticos do centrão para se estabelecer no cargo.

 

A administração do terceiro ministro da Educação de Bolsonaro ainda acumula erros em transferências de recursos exatamente do FNDE. No ano passado, o fundo cometeu equívocos da ordem de R$ 766 milhões em transferências do principal mecanismo de financiamento da educação básica, o Fundeb.

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