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GANGUE DE FARDA - Corregedoria da PM em São Paulo descobre grupo de policiais que extorquiam, torturavam e matavam
POLÍCIA
Publicado em 07/12/2021

Oempresário Rinaldo Magalhães, 55 anos, estranhou quando uma voz chamando por Ninão, seu apelido, interrompeu o silêncio da ampla casa da chácara onde morava, a Bando de Loucos, na zona rural de Mairinque, região de Sorocaba, interior paulista.

 

Era raro alguém aparecer à noite por lá, e já passavam das 20h30 daquela sexta-feira chuvosa, 26 de fevereiro de 2021.

Como Magalhães tinha um leve problema de locomoção e a entrada da propriedade ficava a uma certa distância da casa, decidiu ir em sua caminhonete. Do outro lado do portão, o interlocutor dizia ser Paulo.

Só poderia ser o jardineiro, que tinha esse nome, concluiu o empresário.

 

Quando abriu o portão, porém, Magalhães viu um grupo de homens armados, um deles apontando a arma para o empresário. Assustado, ele correu para a caminhonete, que era blindada, arrancou com o carro e começou a buzinar – pensando ser um assalto, queria avisar a mulher e a filha, que estavam na casa.

Ao ouvir o barulho da buzina, a filha, o namorado e uma amiga dela correram para a mata, e Sandra, mulher de Magalhães, trancou o imóvel e se refugiou em um dos quartos.

 

De nada adiantou: após arrombarem a porta de entrada, os invasores chegaram até Sandra. “Cadê a droga?”, berrou um deles. Quando a mulher disse não saber de nenhuma droga, começou a ser agredida com tapas e chutes.

Minutos depois, começou a ser torturada com um saco plástico na cabeça, que lhe tirava o ar até quase desmaiar – ela chegaria a urinar na roupa.

Enquanto a mulher era agredida, Magalhães chegava de caminhonete à casa de um vizinho. Depois de contar a ele o que estava acontecendo e pedir que o amigo acionasse a Polícia Militar, o empresário seguiu com sua caminhonete em busca de ajuda.

 

Quando encontrou um veículo da PM, porém, o resultado foi o pior possível. Magalhães foi morto com tiros de fuzis calibres 556 e 762. Os policiais que atiraram, do 14° Baep (Batalhão de Ações Especiais de Polícia) de Sorocaba disseram mais tarde, na delegacia, que Magalhães teria apontado na direção deles com uma pistola.

Somente no meio da sessão de tortura é que os invasores disseram a Sandra que eram policiais militares e estavam à paisana porque eram do serviço de inteligência do 14° Baep.

Só um não era PM: o jovem Artur Donizetti Devechi Júnior, 24 anos, que fornecia à polícia informações sobre pontos de venda de drogas na região em troca de parte do entorpecente – os policiais costumam se referir a esses informantes como “gansos”. Não havia drogas na chácara.

 

Devechi Júnior havia sido apresentado ao tenente do 14º Baep Adinan da Rocha Lima, um dos que estavam na chácara, pelo cabo Jackson Moisés Bastos de Jesus, do 1° Baep, de Campinas, para quem o rapaz também trabalhava como “ganso”. Lima acabaria condenado pela Justiça Militar a um ano de prisão por invasão de domicílio (a defesa dele disse que vai recorrer, e somente irá se manifestar dentro da ação penal); cinco PMs, subordinados ao tenente, receberam penas de cinco anos de prisão cada um pelo crime de tortura.

 

Outros quatro policiais militares respondem a ação penal na 2ª Vara Criminal de Mairinque por homicídio. 

Devechi Júnior, o informante, não foi denunciado pelo Ministério Público.

Quando os policiais da Corregedoria da PM de São Paulo começaram a investigar as relações de Devechi Júnior na Polícia Militar, descobriram um enredo macabro de extorsões e assassinatos nos quais policiais militares de Campinas são os principais acusados. Era o início da Operação Grey Goose, ou Ganso Cinza, em referência à cor da farda da PM paulista.

 

Ainda no primeiro semestre deste ano, Devechi Júnior assinou um acordo de delação com a corregedoria.

Em um de seus depoimentos, disse que era comum abordar narcotraficantes da região de Campinas dizendo-se interessado em comprar droga, e que quando o produto era entregue a ele os policiais davam o flagrante – em troca, Devechi Júnior recebia entre 500 e 1.000 reais. Como os PMs não recebem nenhuma gratificação extra por ocorrência de tráfico apresentada na delegacia, a suspeita dos corregedores é de que o grupo revendia ao menos parte da droga a outros traficantes – em Campinas, apenas os policiais do 1º Baep possuem câmeras nas fardas, instaladas em junho último.

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