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Mesmo em evidência na pandemia, cientistas penam para manter pesquisas no Brasil
Publicado em 03/01/2021 14:59
NOTÍCIA

Produção de vacinas em tempo recorde mostra a resposta que os investimentos em pesquisa científica e inovação podem dar à sociedade. No Brasil, porém, a instabilidade na destinação de recursos para a atividade compromete o trabalho dos pesquisadores.

  • A crise gerada pela pandemia evidenciou a importância do papel da ciência na sociedade.
  • Médicos, cientistas e pesquisadores trabalharam dia e noite para descobrir as peculiaridades do vírus que mudou a vida do mundo todo. E foi graças à ciência que uma vacina, mesmo que em caráter emergencial, pôde ser utilizada em tempo recorde, ainda no mesmo ano da descoberta da covid-19.
  • O Brasil, apesar de estar incluído no restrito grupo de países que mais publicaram estudos sobre a doença, ainda é considerado emergente quando se fala do desenvolvimento científico, segundo profissionais da área. Porém, há espaço para melhorar, e o caminho passa pelo investimento e pela educação.
  • “Nós temos áreas em que o Brasil tem uma contribuição significativa, como no setor agrícola, no qual temos uma ciência das mais representativas do mundo. Porém, em várias outras áreas em que o espaço para avançar é muito grande”, afirma o diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Luiz Eugênio Mello.
  • Apesar de não estar na vanguarda, o país teve mobilização muito elogiada no trabalho contra a covid-19. Levantamento feito pela Agência USP de Gestão da Informação Acadêmica apontou o país em 11º lugar no ranking de países que mais têm publicações científicas sobre a doença, à frente de nações como Holanda, Suíça e Japão. Até 17 de outubro, em todo o mundo, houve 168.546 publicações científicas sobre a covid, das quais, 4.029 do Brasil.
  • “Imunologistas, cardiologistas, epidemiologistas de tidas as áreas passaram a se dedicar ao estudo da doença. Isso mostra que a sociedade só tem a ganhar ao apoiar a ciência”, afirma Luiz Eugênio. “Em dezembro, já havia países onde o uso de vacinas já estava aprovado. A gente tem vacinas sendo produzidas por empresas nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Rússia e na China”, celebra o pesquisador.
  • O Brasil, porém, não tem nenhuma vacina com tecnologia nacional, apesar de ter dois grandes institutos que produzirão os imunizantes no país: a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Instituto Butantan. Isso ocorre “porque o investimento em ciência e tecnologia vem sendo deixado de lado”, critica Luiz Eugênio.
  • O imunologista e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) Gustavo Cabral trabalha diretamente com o desenvolvimento de vacinas e acredita que o maior problema é a falta de estabilidade no investimento científico. “Nos países desenvolvidos, os recursos para pesquisa são estáveis. Não importa a mudança de governo, ou alteração política, o investimento em ciência, tecnologia e inovação é sempre o mesmo. Por isso, a produção é contínua e deixa uma base de estabilidade para dar uma resposta a uma possível pandemia de forma diferente”, explica.
  • No Brasil, a regra é a instabilidade. “Muitas vezes a gente desenvolve um trabalho e, quando estamos próximos de chegar a conclusões, há corte de verbas, perdemos estudantes, estrutura, e vai tudo por água abaixo. Temos que começar a remar novamente. Isso nos destrói cientificamente”, avalia Cabral.
  • Projeto
  • Luiz Eugênio, da Fapesp, acredita que o Projeto de Lei Complementar (PLC) nº 135/2020, que veda a limitação de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), ajudará na manutenção dos investimentos na ciência. O projeto, de autoria do senador Izalci Lucas (PSDB-DF), foi aprovado pelo Senado e pela Câmara dos Deputados e, agora, depende de sanção presidencial. Segundo a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em 2020, dos R$ 5,4 bilhões arrecadados pelo fundo, R$ 4,8 bilhões, quase 90%, deixaram de ser aplicados na área porque ficaram bloqueados na reserva de contingência pelo governo.
  • Cabral conta que testemunhou os benefícios da estabilidade dos investimentos em ciência no período que passou no Instituto Jenner, da Universidade de Oxford, exatamente onde surgiu a vacina desenvolvida pela universidade inglesa com o laboratório sueco Astra Zeneca. Ele foi para a Inglaterra em 2014, em um programa de pós-doutorado que também passou pela Universidade de Berna, na Suíça, e só voltou para o Brasil no fim de 2019.
  • “Em 2020, antes de começar a trabalhar com novas tecnologias para vacinas , imaginei que iria tirar três meses de férias, mas a pandemia chegou e mudou os planos”, conta. Com isso, teve que adaptar o projeto, que tinha como alvo o desenvolvimento de imunizantes para a chikungunya e o zika vírus, e incluir a covid-19.
  • Quatro perguntas/ Ester Sabino
  • Pesquisadora que coordenou o primeiro sequenciamento do genoma do novo coronavírus no Brasil, imunologista da Faculdade de Medicina da USP fala sobre as condições de trabalho dos cientistas no Brasil
  • Mesmo com interferência políticas e ideológicas, a ciência conseguiu se sobrepor?
    A ciência é feita por pessoas com visões ideológicas de todos os grupos. O que é importante para se fazer uma ciência é a técnica. Isso é essencial na área de ciência. Seguramente a resposta do Brasil, a um nível federal, não foi uma resposta baseada em ciência. Essa foi a primeira vez que eu vi o Brasil não seguindo nenhuma das regras de tudo o que foi um esforço de anos. Todas as epidemias que já existiram foram muito mais bem pautadapelo conhecimento cientío do que essa.
  • Concorda que o Brasil e o mundo “avançaram uma década em um ano”?
    Com certeza. A rapidez no desenvolvimento das vacinas contra a covid-19 é fruto desse esforço. Isso vai mudar muita coisa, como a nossa capacidade de fazer vacina. A Vacina da Pfizer, por exemplo, é muito interessante, porque é baseada na tecnologia de RNA. É muito mais fácil de produzir, dá uma segurança a outras agências de que a gente também consiga.
  • Essa nova tecnologia pode nos dar respostas positivas contra outros vírus, outras doenças?
    Exatamente. O que vai mudar é que vai ser mais fácil fazer vacina para outros agentes. Ou mesmo se a gente mudar, acontecerem mutações muito importantes, fica mais fácil fazer uma segunda versão da vacina.

 

 

 

 

 

 

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