Ao chegar do trabalho, Pedro (nome fictício) estranhou que as coisas do padrasto não estavam mais em casa. Sua primeira reação foi perguntar à mãe, dona Júlia, 69, o que havia acontecido. Com calma, a idosa respondeu: "Ó, mandei ele embora, viu? Porque a qualquer hora o Zinho vai aparecer e eles vão brigar".
Pedro disse não acreditar que Zinho Claudino, produtor de conteúdo no TikTok com mais de 642 mil seguidores, era responsável pelo término de um relacionamento de 12 anos. Não só por causa da distância —ela no interior de São Paulo, ele em Pernambuco—, mas porque Zinho sequer deve saber que dona Júlia existe.
A paixão por Zinho, que motivou a separação do casal, foi se instalando aos poucos, por meio de vídeos no TikTok.
Nas produções postadas em seu perfil, Zinho aparece com tom de voz manso, transmitindo intimidade. Fala no singular, diretamente com quem assiste. Dança músicas românticas e diz chorar por amor.
O enredo é dedicado às coroas, como ele chama as idosas que o assistem. E são muitas, que, nos comentários dos vídeos, respondem como se o conteúdo fosse direcionado especificamente a elas, como se houvesse um relacionamento pessoal com o criador.
Em 12 de junho, Dia dos Namorados, Zinho publicou um vídeo estilo selfie em que diz bem perto da câmera. "Meu grande amor, estou passando aqui para deixar meu carinho para você. Essa data é uma data muito especial, igual a você (…) Eu te amo do fundo do meu coração", disse. O vídeo tem um minuto de duração e mais de 7.000 likes e 2.000 comentários.
"É aí que mora o perigo", explica a psicóloga Rosangela Muller, especializada em terapia cognitivo-comportamental com idosos. "O formato desses vídeos é feito para parecer íntimo."
Esses recursos dão às mensagens, mesmo genéricas, aparência de únicas. Segundo Rosangela, há uma razão para isso. "A gente precisa entender que o desejo de ser amada não desaparece com a idade. E se a vida real não oferece esse carinho, esse olhar, a fantasia oferece."
"Essas mulheres ainda querem viver, amar, ser vistas. A sociedade, muitas vezes, trata como absurdo esse desejo, mas ele é legítimo e precisa ser acolhido", acrescenta.
No caso de dona Júlia, o neto, filho de Pedro, tentou bloquear Zinho e modificar o algoritmo do TikTok. Tudo piorou. "Ela surtou. Ficou agressiva, muito ansiosa e muito chorona", conta Pedro, e a família precisou abandonar o plano.
Zinho não é um único que conversa com idosas como estratégias para ganhar seguidores. A mineira Joana (nome fictício), 85, conheceu o TikTok por meio de uma vizinha. Rolando o feed da rede social, esbarrou em vídeos de José Fernandes, criador de conteúdo com mais de 710 mil seguidores.
"Teve uma época que ela achou que o Zé Fernandes ia vir buscar ela. Ela estava convencida de que ia ficar junto com ele", conta Bruno (nome fictício), seu neto. A situação fez com que o marido, com quem dividia a casa na cidade há mais de 40 anos, fosse morar na roça.
Camile Peligrinelli, sobrinha de tia Cida, 75, que também segue José Fernandes, observa um padrão similar. O que mais chama atenção dela é como esses vídeos afetam a autoestima. "Ela se sente amada, desejada, começa a se cuidar mais, se arrumar", diz ela sobre a tia.
As diretrizes do TikTok proíbem conteúdos que possam ser usados para enganar ou explorar usuários vulneráveis. A plataforma também tem políticas contra práticas que possam configurar manipulação ou aproveitamento de pessoas idosas.
No entanto, quando o conteúdo não viola explicitamente essas regras, como nos casos em que não há pedido de dinheiro, por exemplo, as ações de moderação são limitadas. A empresa orienta que usuários denunciem publicações suspeitas e oferece ferramentas de controle parental e bloqueio. Ainda assim, reconhece que identificar práticas manipuladoras pode ser complexo.
Segundo o advogado Caio Lima, sócio do VLK Advogados e especialista em direito digital, embora o Marco Civil da Internet só preveja responsabilização das plataformas em caso de descumprimento de ordem judicial, o STF (Supremo Tribunal Federal) já discute uma interpretação mais ampla.
"As plataformas devem adotar postura mais diligente na prevenção de danos decorrentes de conteúdos manifestamente ilícitos, podendo, em determinadas situações, ser responsabilizadas mesmo sem prévia ordem judicial, especialmente em casos de contas falsas, uso indevido de imagem ou práticas direcionadas à exploração de pessoas vulneráveis, como idosos."
Há, ainda, outra face do problema: golpistas que se aproveitam de conteúdos desses conteúdos virais.
O filho de dona Júlia percebeu que ela estava indo com muita frequência ao centro da cidade. Pedro, que cuida das finanças da casa, imaginou que fosse para pagar contas, mas depois percebeu que tinha sumido dinheiro da conta da idosa.
Ele, então, notou que a mãe comprava cartões virtuais da Apple, de R$ 150 ou R$ 200. "Ela comprava, raspava a numeração, tirava uma foto e mandava para ele. No total, foram R$ 800 em cartões que ela comprou", conta. O envio era feito para números no WhatsApp que se passariam por Zinho.
Como não há transferência, não é possível rastrear o destino do dinheiro.
Para Pedro, embora os influenciadores não estejam relacionados aos golpes financeiros, eles têm consciência do impacto na vida dessas senhoras.
Zinho Claudino e José Fernandes foram procurados, mas não responderam até a publicação deste texto.
Em seu perfil no TikTok, José Fernandes publicou um vídeo em que diz ser "apenas um criador de conteúdo". "Sou um personagem aqui, tá certo? Não estou procurando ninguém, não quero ninguém, tá bom? Nunca falei diretamente com seguidores nos meus vídeos." Ele também alertou sobre perfis falsos que usam sua imagem.
"Quem está usando os vídeos dele e pedindo dinheiro pode cometer o crime de estelionato, mesmo praticado em ambiente virtual, porque o autor estaria induzindo outras pessoas ao erro para obter vantagem econômica ilícita", diz o advogado Caio Lima, destacando que, em caso de fraude eletrônica, a pena é mais severa, de 4 a 8 oito anos de reclusão.