Uma possível anistia dada a condenados pelos ataques golpistas do 8 de janeiro de 2023 tem brecha na origem e deve chegar ao STF (Supremo Tribunal Federal) se aprovada pelo Congresso Nacional, segundo especialistas ouvidos pela Folha.
Para eles, o perdão geral envolvendo os atos golpistas será provavelmente levado à corte, que tem a palavra final para interpretar a constitucionalidade do projeto de lei.
A tendência, afirmam professores e advogados, é que o tribunal vete uma anistia a crimes relacionados à tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado democrático de Direito, em consonância com o que preconiza a Carta Magna.
O tema vai ser debatido na Câmara dos Deputados por uma comissão especial, conforme decidido na segunda-feira (28) pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), que retirou o projeto da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça).
Depois de debatido, ele precisa ser aprovado por maioria simples na Câmara e no Senado. Em seguida, vai para sanção do presidente Lula (PT). Havendo veto, retorna ao Congresso, que pode derrubá-lo e aprovar o projeto de lei.
A depender de como for debatida, a anistia pode beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em mais de uma frente.
Uma delas seria com relação à condenação na Justiça Eleitoral por abuso de poder político e econômico e uso indevido dos meios de comunicação que já o deixou inelegível por oito anos. A outra é sobre investigação envolvendo a participação do ex-mandatário em tentativa de golpe de Estado em janeiro de 2023.
Isso porque o PL 2858/2022, com seus apensados, é atualmente abrangente. "O texto prevê, por exemplo, que multas impostas pela Justiça Eleitoral sejam anuladas e que causas de inelegibilidade sejam cessadas", afirma Gustavo Sampaio, professor do Departamento de Direito Público da UFF (Universidade Federal Fluminense).
Sendo aprovado pelo Legislativo, a probabilidade de ser levado ao Supremo é alta, apontam especialistas.
"Não tenho dúvida de que alguém vai bater na porta do Supremo dizendo que é inconstitucional", afirma Álvaro Palma de Jorge, professor da FGV Rio especialista em temas relacionados ao STF e direitos fundamentais.
"Se o STF diz que é inconstitucional, o Congresso vai dizer que a corte está invadindo sua competência de anistiar. É meio que o cachorro correndo atrás do rabo."
Apesar do possível desgaste entre os Poderes, cabe ao STF a última palavra sobre a constitucionalidade.
A tendência é que o tribunal considere haver uma brecha na origem do projeto, sendo ela o limite implícito dado pela Constituição à possibilidade de conceder anistia a quem investe contra a própria democracia, afirma Gustavo Sampaio.
Um exemplo, afirma ele, é a derrubada pelo STF de indulto dado por Bolsonaro ao ex-deputado federal Daniel Silveira em caso também envolvendo a manifestação contra o Estado democrático de Direito.
Para Álvaro Jorge, o projeto de lei também pode ser questionado, na interpretação de parte do universo jurídico, por possível quebra de impessoalidade de se propor uma anistia específica para a condenação eleitoral do ex-presidente, o que feriria o princípio da impessoalidade.
"A discussão que tem aqui é a seguinte: será que o Congresso não estaria roubando uma competência da Justiça Eleitoral ao poder revisar uma condenação eleitoral específica de uma pessoa?", afirma. Ele, entretanto, diz pessoalmente discordar da interpretação.
Segundo Henderson Fürst, professor de direito constitucional da PUC Campinas, uma possibilidade é o STF avaliar a anistia para crimes de menor potencial ofensivo, como aqueles meramente patrimoniais.
"Já para os demais casos que tratem de ataque ao Estado democrático de Direito é provável que o Supremo entenda haver inconstitucionalidade [na anistia]."
Segundo Welington Arruda, mestre em Direito e Justiça pelo IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa), há ainda uma PEC de anistia (70/2023) no Senado. Ela tem tramitação própria e está na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Nesse caso, a última palavra sobre a constitucionalidade é também do STF.