SÃO PAULO
As medidas anunciadas pelo governo federal para tentar baixar o preço dos combustíveis podem ser parcialmente anuladas pela reação negativa do mercado, que já se reflete no câmbio, nas taxas de juros e nas medidas de risco país.
A avaliação é que o governo federal está abrindo mão de um volume significativo de recursos para promover uma redução de preços temporária, que não chegará integralmente ao consumidor e que não privilegia os mais pobres.
O presidente Jair Bolsonaro (PL) prometeu desonerar tributos federais sobre a gasolina e o etanol. Também anunciou que o governo vai ressarcir os estados que aceitarem zerar as alíquotas do ICMS sobre diesel e gás de cozinha até o fim do ano. O impacto das medidas é calculado em cerca de R$ 50 bilhões. Parte do dinheiro deve vir da privatização da Eletrobras, afirma o governo.
Em reação ao pacote, o dólar avançou 1,41% na terça e 0,30% nesta quarta (8), cotado a R$ 4,8890.
"A gente precisa ter um mínimo de planejamento para não queimar receita à toa, além de ter um efeito rebote: que o aumento da percepção de risco e incerteza acabe provocando mais inflação", afirma Juliana Damasceno, analista da Tendências Consultoria.
Para ela, não faz sentido abrir mão de receita para desonerar todos os consumidores, inclusive os de alta renda, sendo que esse dinheiro poderia ser direcionado aos mais pobres, por meio da ampliação dos beneficiários do Auxílio Brasil, de um aumento do vale-gás ou de uma política de voucher para caminhoneiros, taxistas e motoristas de aplicativo, por exemplo.
"A gente sabe o que acontece quando o governo controla preços. Há risco de desabastecimento, não dá para fazer isso de forma indefinida e a inflação volta com toda força, como aconteceu no governo Dilma."
O economista Marcos Mendes, pesquisador do Insper e colunista da Folha, rebate os argumentos do governo de que há sobra de arrecadação para bancar as medidas e de que os mais pobres serão os mais beneficiados.
Também afirma que apenas países ricos têm usado volume significativo de recursos para bancar o aumento dos preços de combustíveis e energia.
"É uma alocação ruim de recurso público. Vai reduzir temporariamente o preço dos combustíveis, não vai mudar a dinâmica da inflação. Está longe de ser uma coisa para os mais pobres. E não estou vendo país de renda média fazer o que o Brasil está fazendo", afirma.
Ele diz que o aumento de arrecadação que será usado para bancar essas medidas é temporário e poderia ser melhor utilizado para subsidiar apenas os mais pobres ou reduzir a dívida pública, o que resultaria em juros menores. O mesmo se dá com os dividendos da Petrobras e o recurso da privatização da Eletrobras, que serão gastos com despesa corrente.
Mendes afirma ver também o risco de judicialização do valor a ser ressarcido aos estados, a exemplo do que já ocorreu no passado em relação à Lei Kandir,.
O advogado Fernando Zilveti também espera uma judicialização e afirma que algumas propostas são inconstitucionais, pois cabe aos estados definir a alíquota do ICMS.
Uma disputa no Judiciário, no entanto, terá custos políticos tanto para os governadores como para o STF (Supremo Tribunal Federal), ao mesmo tempo em que trará dividendos para o presidente Jair Bolsonaro, avalia o tributarista.
"É um ato sem nenhum planejamento, nem jurídico nem fiscal. Há uma movimentação deliberada de tirar força dos estados. Você tem uma medida inconstitucional, que não para de pé no Supremo", afirma.
"Ele [Bolsonaro] está deixando tudo isso para judicializar e botar a conta no Supremo."