A Vila Reencontro, programa de moradias transitórias para famílias em situação de rua em São Paulo, vem sendo alvo de ataques, protestos e fake news nas últimas semanas. "Todo mundo quer tirar as pessoas da rua, desde que não morem perto de sua casa", lamentou em entrevista à coluna Carlos Bezerra Júnior, secretário municipal de Assistência e Desenvolvimento Social.
Por exemplo, o canteiro de obras de uma unidade em Itaquera, zona leste da capital, foi pichado com termos como "Fora albergue" e "Cracolândia aqui não". Materiais de construção foram quebrados, ferramentas roubadas e tapumes arrancados.
Enquanto isso, no Jabaquara, na zona sul, moradores bloquearam a avenida Engenheiro Armando de Arruda Pereira para protestar contra a implementação de uma unidade na região. Temem, segundo eles, que o local se torne uma "nova cracolândia" com a chegada das famílias.
O programa recebeu críticas na época de seu lançamento devido ao tamanho dos imóveis (18 m2) e por ser uma unidade de transição, em que famílias podem permanecer por até 24 meses enquanto reorganizam a vida e não uma moradia definitiva. Mas a Prefeitura de São Paulo se surpreendeu com outro tipo de reação.
"Quando desenhamos a política pública, sabíamos que entre os fatores de dificuldade estavam entraves burocráticos, questões políticas locais, problemas para encontrar terrenos, mas nunca imaginamos que o maior obstáculo seria o preconceito", afirma Bezerra.
Os ataques, protestos e boatos mostram que há uma confusão entre a população em situação de rua e um subgrupo, que são os usuários de drogas que frequentam nas cracolândias.
Estes perfazem algumas centenas, enquanto o contingente que mora na rua, normalmente por problemas econômicos ou pessoais e que aumentou na pandemia, vai de 32 a 53 mil - dependendo da contagem ou estimativa.
Na Vila Reencontro, o recorte prioritário é de famílias com crianças, com idosos e com vítimas de violência.
O secretário Carlos Bezerra Júnior lamenta que, mesmo quando as dúvidas são sanadas sobre o programa, ouve-se coisas como "a ideia é incrível e não temos nada contra a população em situação de rua, mas no meu bairro, não".
"De um lado, vemos uma disseminação maciça de fake news, com discursos padronizados. Além de dizerem que estamos levando a cracolândia para o bairro, reclamam que houve aumento de criminalidade e que ocorrerá queda no preço do imóvel sem que a unidade tenha sido instalada", diz. Ou seja, desinformação.
"De outro, vemos também uma minoria que reforça a tese de que muitos perderam a vergonha de serem preconceituosos, racistas, violentos, agressivos. Há quem, de fato, encha a boca para dizer que querem essas pessoas o mais longe possível de São Paulo", completa. Neste caso, má fé.
O programa, implementado na gestão Ricardo Nunes, conta com três unidades (Pari, Canindé e Anhangabaú). Segundo a Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social, somam 800 leitos - cada unidade de habitação comporta até quatro leitos. E mais 280 devem ser entregues com a unidade de Santo Amaro.
Os ataques também colocam outro problema em cima da mesa. Se a resistência é grande com um programa que envolve famílias com crianças, idosos e vítimas de violência, desafio maior ainda é o processo de atendimento a usuários de drogas que vivem nas cracolândias. O que deve ser um dos principais temas presentes na eleição à Prefeitura de São Paulo em outubro do ano que vem.
Leonardo SakamotoColunista do UOL
28/10/2023 08h25